Faculdade Campo Real
Curso de Direito
Direito Internacional – 3º Período
Compilação[1] de textos para a Prova do 1º Bimestre@2011.1
Fundamento do direito internacional público.
“Sistema jurídico autônomo, onde se ordenam as relações entre Estados soberanos, o direito internacional público — ou direito das gentes — repousa sobre o consentimento. Os povos — assim compreendidas as comunidades nacionais, e acaso, ao sabor da história, conjuntos ou frações de tais comunidades — propendem, naturalmente, à autodeterminação. Organizam-se, tão cedo quanto podem, sob a forma de Estados, e ingressam numa comunidade internacional carente de estrutura centralizada. Tais as circunstâncias, é compreensível que os Estados não se subordinem senão ao direito que livremente reconheceram ou construíram. O consentimento, com efeito, não é necessariamente criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a exata extensão do mar territorial, ou de especificar o aspecto fiscal dos privilégios diplomáticos). Ele pode ser apenas perceptivo, qual se dá quando os Estados consentem em torno de normas que fluem inevitavelmente da pura razão humana, ou que se apoiam, em maior ou menor medida, num imperativo ético, parecendo imunes à prerrogativa estatal de manipulação. Pacta sunt servanda — o princípio segundo o qual o que foi pactuado deve ser cumprido — é um modelo de norma fundada no consentimento perceptivo. Regras resultantes do consentimento criativo são aquelas das quais a comunidade internacional poderia prescindir. São aquelas que evoluíram em determinado sentido, quando perfeitamente poderiam ter assumido sentido diverso, ou mesmo contrário. E é impossível, em absoluto, conceber que a mais rudimentar das comunidades sobreviva sem que seus integrantes se subordinem, quando menos, ao dever de honrar as obrigações livremente assumidas.”
[O fundamento do Direito Internacional deve ser encontrado no próprio fundamento do Direito, qual seja: a Norma Hipotética Fundamental desse Direito devem ser os valores fundamentais (paz, ordem e justiça), pois há juridicidade internacional (comportamento obrigatório), mesmo quando não existam tratados sobre a matéria, basta perceber a existência da Guerra Justa (assunto que será ainda tratado).
“Caso digno de destaque é o de certas regras consolidadas, com muito vigor neste século, tais a proscrição do uso da força e os princípios da não-intervenção e da autodeterminação, ou ainda um pouco antes, qual a condenação da escravatura.
Nenhuma dessas normas aparece vestida daquela imperatividade, congênita até mesmo nas sociedades primitivas, do pacta sunt servanta, e melhor prova disso não há que seu advento tardio à consagração geral. Porém, no âmbito desses temas, a mobilidade do direito não é sinuosa: tem ela um sentido tão certo e irreversível quanto o da evolução da sociedade internacional. Assim, o tráfico de escravos e a guerra de conquista, lícitos outrora, estão hoje condenados, sendo seguro que não voltarão, amanhã, à condição de licitude. Sem dúvida nos encontramos, aqui. Em presença de normas internacionais não gravadas, desde o principio, na consciência dos povos, mas tampouco mutáveis à feição pendular — como as que se referem à imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro ou à extensão do mar territorial.”
Paradigmas do Direito Internacional
“Direito internacional e direito interno: teorias em confronto.
Para os autores dualistas — dentre os quais se destacaram neste século Carl Heinrich Triepel, na Alemanha, e Dionisio Anzilotti, na Itália —, o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional. Os autores monistas dividiram-se em duas correntes. Uma sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito internacional reponta como uma faculdade discricionária. O monismo internacionalista teve em Hans Kelsen seu expoente maior, enquanto a vertente nacionalista encontrou adeptos avulsos na França e na Alemanha, além de haver transparecido com bastante nitidez, entre os anos vinte e os anos oitenta, na obra dos autores soviéticos.
Nenhuma dessas três linhas de pensamento é invulnerável à crítica, e muito já escreveram os partidários de cada uma delas no sentido de desautorizar as demais. Perceberíamos, contudo, que cada uma das três proposições pode ser valorizada em seu mérito, se admitíssemos que procuram descrever o mesmo fenômeno visto de diferentes ângulos. Os dualistas, com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção das normas jurídicas,
lembrando sempre os limites de validade de todo direito nacional, e observando que a norma do direito das gentes não opera no interior de qualquer Estado senão quando este, havendo-a aceito, promove-lhe a introdução no plano doméstico. Os monistas kelsenianos voltam-se para a perspectiva ideal de que se instaure um dia a ordem única, e denunciam, desde logo, à luz da realidade, o erro da idéia de que o Estado soberano tenha podido outrora, ou possa hoje, sobreviver numa situação de hostilidade ou indiferença frente ao conjunto de princípios e normas que compõem o direito das gentes. Os monistas da linha nacionalista dão relevo especial à soberania de cada Estado e à
descentralização da sociedade internacional. Propendem, dessarte, ao culto da constituição, estimando que no seu texto, ao qual nenhum outro pode sobrepor-se na hora presente, há de encontrar—se notícia do exato grau de prestígio a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras. Se é certo que pouquíssimos autores, fora do contexto soviético, comprometeram-se doutrinariamente com o monismo nacionalista, não menos certo é que essa ideia norteia as convicções judiciárias em inúmeros países do ocidente — incluídos o Brasil e os Estados Unidos da América—, quando os tribunais enfrentam o problema do conflito entre normas de direito internacional e de direito interno.” Compilação do Livro “REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8 ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2000”
Fundamento do Caráter Obrigatório do Direito Internacional
“O estudo do fundamento do DI consiste na investigação da justificação e legitimidade da norma jurídica internacional. O fundamento do Direito é de onde ele tira a sua obrigatoriedade. Com intuito de evitar a confusão da noção de fonte e fundamento, como ocorreu com H. Kelsen, Mello [Celso Albuquerque de Melo] sustenta que a fonte do DI é a maneira pela qual a norma internacional se manifesta, enquanto fundamento é o que torna o DI obrigatório.
Mello enumera uma multiplicidade de teorias sobre a questão do fundamento do DI, dentre das quais, estão as da escola utilitária ou da necessidade, das nacionalidades da escola italiana. Na busca do fator que explique a força obrigatória do DI, ele classifica em dois grupos as doutrinas que apresentariam maior interesse no que se refere a fundamento.
Trata-se de doutrinas voluntarista e objetivista. Destaca-se dentre das teorias voluntaristas, a da autolimitação, a da vontade coletiva, a do consentimento das nações e a do direito interno. Quanto às teorias objetivistas, cita-se a da norma-base (todo conhecimento conduz à unidade), teoria dos direitos fundamentais, teoria sociológica.
Com propriedade, Pellet observa que o voluntarismo constrói-se na base de uma afirmação fundamento: as regras de direito são produto da vontade humana, existem para esta vontade e também por esta.
Os defensores do voluntarismo jurídico argumentam que existe no direito um elemento que lhe permite emitir ordens. Para eles, se o direito se impõe a todos os membros da coletividade, é porque emana de uma vontade que é superior, não na essência, mas simplesmente porque é vontade de um ser superior, que ocupa a posição suprema no seio da sociedade. (PELLET, 2002, P. 89)
Percebe-se que se trata obviamente do Estado, como ser superior, como autoridade, mandante, capaz de se impor às vontades individuais. Fala-se em voluntarismo estatalista e autoritário, estreitamente ligado e em harmonia com a soberania do Estado.
Uma outra característica do voluntarismo jurídico é a autonomia da vontade criadora do direito. Justifica-se o voluntarismo pelo fato de a força obrigatória internacional assentar-se na vontade do Estado soberano.” (PELLET, 91)
Quanto à teoria da autolimitaçao do Estado desenvolvido por Jellinek, tendo reconhecido a vontade do Estado como a sua soberania, inexiste a subordinação a qualquer outra autoridade. Triepel, por sua vez, faz apelo à teoria da vontade comum. Ele desvincula a vontade comum da vontade isolada.
‘Ao formular a sua tese da vontade comum, Triepel não tende apenas a justificar o seu voluntarismo, afirma, ao mesmo tempo, a sua concepção relativa do direito internacional. Visto que qualquer regra de direito internacional deve resultar de uma Vereinbarung expressa (tratado) ou tácita (costume), esta regra só pode ser obrigatória para os participantes nessa união de vontades. Não existe, pois, direito internacional de aplicação universal, mas tão-só direito internacional particular.’(PELLET, 1999, P. 91)
Em suma, tais doutrinas consideram a vontade do estado como a fonte do direito internacional.
Kelsen desenvolve ainda a Teoria Pura do Direito em que afirma ser fictícia a concepção do Estado, ser superior, dotado de vontade. Ele explica o fundamento da força obrigatória do direito internacional por uma lei de normatividade.
Há de destacar ainda a teoria da norma pacta sunt servanda defendido por Anzilotti, o qual sustenta que a norma pacta sunt servanda é o fundamento do DI; enquanto as teorias sociológicas de Duguit considera que o direito é um produto do meio social.
Ante a multiplicidade de teorias, percebe-se que o formalismo das teorias citadas está sujeito a críticas tanto de ponto de vista teórico como prático.
Crê-se que a origem da obrigatoriedade de os estados se sujeitarem a ordem jurídica internacional encontra-se nas duas concepções elencadas por James Leslie Brierly: doutrinas dos direitos fundamentais e doutrina positivista.
A doutrina dos direitos fundamentais está ligada à existência do próprio Estado que gozam de certos direitos fundamentais, tais quais, direitos de conservação, independência, igualdade, respeito mútuo e comércio internacional.
Para a doutrina positivista, o fundamento ocorre de adesão expressa ou tácita dos Estados, concordando a uma norma costumeira.” Referência:
Fontes do Direito Internacional
“Fontes do DI: constituem os modos pelos quais o Direito se manifesta, ou seja, as maneiras pelas quais surge a norma jurídica. São os meios formais do DI.
Não se pretende com isto negar a existência das fontes materiais (os elementos históricos, sociais e econômicos). Porém, ao direito positivo, só interessam as fontes formais. Exemplo: um Tratado é fonte formal do DIP. [Conforme posição apresentada em sala, as fontes formais são meros veículos normativos das fontes materiais]
Quanto às fontes formais existem duas concepções ou versões:
1ª) POSITIVISTA OU VOLUNTARISTA: Para essa corrente a fonte formal é a vontade comum dos Estados, que pode ser expressa nos tratados e tácita nos costumes.
Entretanto, esta concepção é insuficiente para explicar uma das fontes do DI, que são costumes, vez que a norma costumeira, sendo geral, torna-se obrigatória para todos os Estados membros da sociedade, até mesmo para aqueles que não manifestaram sua vontade no sentido de aceitá-la, sendo obrigados a obedecê-la.
É a concepção mais adotada atualmente. Faz distinção entre as fontes formais e as fontes materiais. As fontes materiais são os elementos histórico, econômico e social que dão origem às fontes formais, que são as normas que regulam as relações entre as pessoas de DI.
Entretanto, as fontes materiais são estudadas apenas para sabermos as origens das fontes formais, porque elas não pertencem ao Direito Positivo, ao qual só interessa a fonte formal. Assim, a fonte formal é um simples reflexo da fonte material.
Os doutrinadores têm sido unânimes na apresentação da imagem do curso de água para distinguir as fontes formais das fontes materiais. Observam eles que, se seguirmos um curso de água, encontraremos a sua nascente, que é a sua fonte, isto é, o local onde surge a água. Esta é a fonte formal. Todavia, existem diversos outros fatores (ex.: composição do solo, pluviosidade, etc.) que fizeram com que a água surgisse naquela região. Esses elementos que provocam o aparecimento das fontes formais são denominados de fontes materiais.
Assim se classificam as fontes de DIP, segundo QUADRI:
a) fontes primárias: são aquelas que orientam, norteiam a ordem jurídica internacional. É o que se chama de princípios. São os princípios constitucionais da ordem jurídica internacional.
- pacta sunt servanda (o tratado deve ser cumprido)
- consuetudo est servanda (respeito ao costume e à norma costumeira).
- princípio da interdependência do Estado, e
- princípio da permanência e continuidade do Estado.
O novo governo para ser reconhecido deve declarar que manterá os compromissos constitucionais vigentes.
b) fontes secundárias: são os tratados e costumes baseados nos princípios constitucionais. Em outras palavras, têm fundamento nas fontes primárias.
c) fontes terciárias: são as outras fontes. Se apoiam nas fontes secundárias. Exemplos: atos unilaterais, atos convencionais, atos mistos.
QUANTO AO ENUNCIADO DAS FONTES:
As fontes formais do DI encontram-se enunciadas num texto em vigor, que é o ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, o principal Tribunal das Nações Unidas, que as utiliza na solução dos litígios que lhe são apresentadas. Não é o Poder Judiciário face à descentralização da Ordem Internacional.
O art. 38 do Estatuto da CIJ enumera as fontes formais do DIP:
a) CONVENÇÕES INTERNACIONAIS - Regras
b) COSTUME INTERNACIONAL
c) PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES CIVILIZADAS (Europa, Estados Unidos e América Latina)
d) AS DECISÕES JUDICIÁRIAS E AS DOUTRINAS DOS PUBLICISTAS QUALIFICADOS (com ressalva do art. 59)
Pode, ainda, a Corte decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isso concordarem. É a decisão por equidade (só entre as partes), mas só com a concordância das partes.” Referência:
Fonte do Direito Internacional: o ius cogens e a soft law.
“No Séc. XX, duas tendências emergiram no Direito Internacional Público, relativas a uma reformulação do entendimento tradicional sobre suas fontes e o papel de uma gradação da força vinculante, para os Estados, das normas jurídicas por eles produzidas ou destinadas a eles. De um lado, o reconhecimento de existir um núcleo duro e relativamente inflexível de normas jurídicas, que, como as cláusulas pétreas das Constituições dos Estados, condicionam a legitimidade e a validade de todas as outras normas por eles elaboradas. Trata-se da afirmação de haver no Direito Internacional, normas que constituiriam um “jus cogens”, que se sobrepõe à vontade dos Estados, e que não podem ser modificadas por dispositivos oriundos, seja nos tratados e convenções internacionais, seja nas normas consuetudinárias internacionais, seja, ainda, por estarem definidas como princípios gerais de direito; para uma análise competente do tema do “jus cogens” numa perspectiva brasileira, veja-se do Prof. João Grandino Rodas, seu artigo “Jus Cogens”, publicado na Revista da Faculdade de Direito da USP, vol. 69, no 2, 1974, p. 125-36).
De outro lado, o reconhecimento de existirem normas muito flexíveis, que constituiriam um conjunto de regras jurídicas de conduta dos Estados, cuja inadimplência seria governada por um sistema de sanções distintas daquelas previstas nas normas tradicionais, possivelmente assimiláveis às obrigações morais versadas nos sistemas obrigacionais internos dos Estados; trata-se da discussão sobre a existência do que se tem denominado de “soft law”, por oposição às normas tradicionais, então qualificadas de “hard law”. Aparentemente, tratar-se-ia de uma contradição: conferir a determinadas normas do Direito Internacional um poder que se sobrepõe à vontade dos Estados, inclusive aos princípios gerais do direito, e, ao mesmo tempo, reconhecer outras normas como de eficácia tão branda, a ponto de mal poderem ser qualificadas de “normas jurídicas”.
Contudo, devemos partir da assunção de que a questão é atual, pois emergiu em meados do Séc. XX, onde o Direito Internacional ganhou um novo conteúdo, de ser igualmente um conjunto de normas comissivas aos Estados, de imposição de comportamentos e não de meras proibições a Estados todo poderosos. Abandonado o primado de serem as normas do Direito Internacional um conjunto de normas de autocontenção, que os Estados se impõem a si próprios, não só ganham importância outros valores que informam força geradora do direito, quanto se reconhece a existência de limites à vontade dos Estados, não mais enfocada dentro dos tradicionais conceitos de soberania. A emergência do “jus cogens” nada mais representaria do que o abandono das teorias voluntaristas exacerbadas dos séculos passados, que viam na manifestação da vontade dos Estados, expressa nos tratados e convenções internacionais, ou implícita, como no costume internacional, a única fonte das normas jurídicas; ao que tudo indicaria, tratar-se-ia de uma reavaliação das importantes teses do jusnaturalismo do Séc. XVI, em particular dos teólogos espanhóis, então formuladas no momento do próprio nascimento do Direito Internacional, desta vez revestidas de uma roupagem mais sofisticada e dentro de um sistema jurídico coerente, composto de quantidade suficiente de normas escritas, e costumes internacionais bem definidos, ao lado de uma metodologia rigorosa da investigação das fontes do direito.
Ousaríamos dizer que, num paralelismo do que ocorrera nos ordenamentos jurídicos nacionais, a consciência de normas superiores à vontade do legislador ordinário, que tinha sido a base do contratualismo do Séc. XVII e que fundamentaria os movimentos constitucionalistas do Séc. XVIII, viria a suceder no Séc. XX, com a emergência das discussões sobre o “jus cogens”!
Claro está que ainda não se verificou a erosão do conceito de base da legitimidade das normas internacionais, como o constitucionalismo realizou nos sistemas jurídicos nacionais, ao haver deslocado a fonte das normas jurídicas, da pessoa do dirigente da sociedade, tendo colocado a mesma, na soberania do povo. Por mais democrático que se pretenda, na atualidade, o Direito Internacional (os indícios são instigantes, a exemplo: a participação da sociedade, pela via dos controles parlamentares, dos principais atos do Executivo geradores do Direito Internacional, a publicidade dos tratados e convenções internacionais, como obrigação dos Estados na atualidade, a abertura das negociações internacionais à participação direta de representantes da dita “sociedade civil”), ainda continua ele a ser, de maneira preponderante e avassaladora, uma elaboração dos Estados, com uma responsabilidade centrada nos respectivos Poderes Executivos.
De qualquer forma, a globalização vertical das normas internacionais, que invadem os ordenamentos jurídicos internos dos Estados, tem forçado a que a participação do povo na formulação das normas do Direito Internacional, seja um dado que não se pode olvidar na sua realidade dos dias correntes, inclusive com os reflexos nas relações internacionais, de uma insatisfação generalizada nos sistemas jurídicos internos, pela relativa falência do “Welfare State” em realizar seus desideratos.
De seu lado, a “soft law” emergiu em decorrência da prática reiterada e cada vez mais atuante no Séc. XX, da diplomacia multilateral, nos seus três subtipos: a) as relações internacionais levadas a cabo em congressos e conferências internacionais, que passaram a ser corriqueiros (diplomacia por congressos e conferências), b) nas relações internacionais empreendidas no interior das organizações intergovernamentais permanentes (diplomacia parlamentar), formas de relações internacionais inexistentes nos séculos passados, e c) em reuniões periódicas previstas em tratados ou convenções internacionais, ou acordadas “ad hoc” (diplomacia por comissões mistas). Igualmente a diplomacia de cúpula, de reuniões diretas e diuturnas entre os responsáveis pelas relações internacionais dos Estados, os Chefes de Estado ou de Governo, os Ministros de Estado, particularmente das Relações Exteriores, tem propiciado à prática de Comunicados Conjuntos, Atas, Declarações Finais, que constituem “soft law”.
Inegavelmente, tais fenômenos apontam para a exigência de total publicidade e de uma participação mais efetiva de outros segmentos das sociedades, além do setor governamental, tais como o de delegações das ONGs, e de grupos de pressão, sempre postuladas em quaisquer reuniões dos órgãos da diplomacia multilateral. A influência da mídia internacional, além de propiciar uma abertura da diplomacia multilateral a outras fontes normativas além dos Estados, ainda acrescentou maior potência ao papel dos controles populares na geração do Direito Internacional. [Conforme reiterado em sala: a determinação normativa realizada pelas Organizações Internacionais]
As reuniões das uniões administrativas e da União Panamericana do final do Séc. XIX , podem ser consideradas como antecedentes remotos da diplomacia parlamentar da atualidade. Consideramos que a diplomacia parlamentar institucionalizada no interior das organizações intergovernamentais permanentes, é uma emergência do final da Primeira Guerra Mundial, com a criação, pelo Tratado de Versalhes de 1919, da Liga (ou Sociedade) das Nações, bem como da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, ambas sediadas em Genebra. Veja-se nosso trabalho: Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: Formas da Diplomacia e as Imunidades, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001 (no prelo).
Novamente, a idéia de que o direito deve corresponder aos anseios do povo, presentes no constitucionalismo, reaparecem, na diplomacia multilateral). Os elementos factuais apontados, em especial as motivações políticas, a nosso ver, representam necessidades e aspirações do homem contemporâneo, as quais irão produzir uma reformulação das bases tradicionais das fontes do Direito Internacional.
O “Jus cogens” e os Controles da Legalidade das Normas Internacionais, mesmo após haver-se instalado na doutrina no Direito Internacional Público, após Hugo Grotius, a concepção de que suas normas resultariam tão somente da vontade expressa ou implícita dos Estados, a qual, aliada à ideia de que aos Estados tudo estaria permitido, salvo os comportamentos expressamente vedados pela norma internacional (trata-se, como já expusemos, do que se denomina “o voluntarismo”), havia um pugilo de importantes autores, no alvorecer do Séc. XX, dentre os quais Léon Duguit e Georges Scelle, que se recusavam a engrossar a fileira dos “estatólatras” e adoradores do puro formalismo jurídico como única razão de ser do direito. Seja pelas raízes sociológicas do direito, apoiado na idéia de solidariedade (Duguit), seja nas discussões sobre a impossibilidade de “tratados imorais” (Scelle), discutia-se não só os fundamentos dos tratados internacionais, mas de todo Direito Internacional, devendo notar-se que para o Prof. Scelle, o que hoje denominados de “jus cogens”, para ele constituía o que denominava de “Direito Internacional Geral”.
Por outro lado, verificava-se, em paralelismo com o Direito Internacional, nos sistemas jurídicos internos dos Estados, uma reavaliação dos liberalismos dos séculos anteriores, que consideravam a vontade como um centro normativo sem limites. Em especial no campo dos contratos entre particulares, nas hipóteses de aplicabilidade de normas de sistemas jurídicos estrangeiros, tornada possível pelas normas de um Direito Internacional Privado nacional, antigos conceitos de limites impostos por “normas de ordem pública”, existentes nos sistemas jurídicos nacionais, ganham relevância, por uma construção sofisticada a partir do final do Séc. XIX, com destaque para a figura do Prof. Enrico Mancini. No Direito Constitucional, teorias sobre os limites do Poder Constituinte foram sendo propostas: a princípio, relativamente ao Poder Constituinte Derivado (competente para as reformas das constituições, que deveriam respeitar as denominadas “clausulas pétreas” do texto constitucional a ser reformado) e posteriormente, os limites existentes ao próprio Poder Constituinte Primitivo (competente para fazer uma nova constituição, em princípio, sem restrições quaisquer, inclusive sem as limitações das cláusulas pétreas do texto constitucional a ser revogado). Em todos os ramos do direito, certamente após a emergência da consciência da relevância de normas inerentes à pessoa humana (parece, mesmo, que esta pessoa foi redescoberta pelo direito, a partir dos horrores disseminados pelo nazismo!), na segunda metade do Séc. XX, emergiram as considerações sobre um contraste entre dois pólos normativos, um, constituído por normas superiores, relativamente imutáveis, o “jus cogens” e as outras normas, de alguma forma subordinadas àquelas, que passaram a constituir o que passou a ser denominado de “jus dispositivum”.
No Direito Internacional Público, igualmente nessa época histórica, aquela discussão esquecida sobre a existência de um “jus cogens” em seu sistema, ganhou nova vida e se tornou um dos mais fascinantes temas que perpassam, na atualidade, não só a questão do exame dos controles de legalidade e legitimidade das normas dos tratados e convenções internacionais celebrados pelos Estados, quanto dos costumes internacionais e, pensamos nós, até dos princípios gerais do direito; sua existência, conforme vermos logo mais, tem sido reconhecida pela jurisprudência internacional, de forma inegável. Já em 1951, quando ainda não havia as normas escritas da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a pedido da Assembléia Geral da ONU, a CIJ seria chamada e emitir um Parecer Consultivo, sobre a possibilidade de os Estados apresentarem reservas à Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, assinada na mesma ocasião em que fora proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja, a realização da II AG da ONU, em 1948, em Paris. Aquela Convenção não previa a possibilidade de reservas, e ademais das dúvidas sobre sua possibilidade, ainda havia outras, no relativo aos relacionamentos entre os Estados eventualmente reservatários e os demais membros da Convenção; as questões eram candentes, tendo em vista a importância que os Estados atribuíam àquele tratado multilateral, e à vista do temor que uma permissividade irrestrita de reservas, pudessem desfigurar suas finalidades. A CIJ no Parecer Consultivo de 28 de maio de 1951, reafirmou princípios sobre as admissiblidades de reservas e as conseqüências de objeções às mesmas, (por sinal, idênticas às regras constantes da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, estudadas no Cap. 4 deste trabalho), tendo esclarecido que elas somente são possíveis e produzem efeitos, na medida em que sejam compatíveis com o objeto e as finalidades da Convenção. No caso “in specie”, assim se posicionou a CIJ ao responder ao quesito de qual seria o caráter das reservas e suas objeções, no caso da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio: “Os princípios nos quais ela se fundamenta, são reconhecidos pelas nações civilizadas, como obrigatórios aos Estados, independentemente de serem normas de uma Convenção internacional; ela foi concebida como uma convenção de alcance universal; sua finalidade é puramente humana e civilizadora [Conforme reafirmado em sala: o fundamento do Direito, qualquer direito, são os valores fundamentais]; os contratantes não auferem nem vantagens, nem desvantagens individuais; nem interesses próprios, mas um interesse comum. De onde é permitido concluir-se que o objeto e a finalidade da Convenção implicam, tanto no que respeita à Assembléia Geral, quanto aos Estados que a adotaram, na intenção de reunir o maior número possível de participação”.
O impulso decisivo para a retomada histórica da discussão de existirem princípios superiores à plena autonomia da vontade dos Estados, foi, sem dúvida, obra da Comissão de Direito Internacional da ONU, particularmente, responsável pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, a qual, relembre-se, encontra-se internacionalmente vigente a partir de 1980 (30 dias após o 35o depósito do instrumento de ratificação, junto ao Secretário Geral da ONU), e, igualmente responsável pela aprovação do Projeto sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, nos dias correntes, em exame na Assembléia Geral da ONU (no qual se postula a existência de crimes internacionais imputáveis aos Estados, tema a seguir considerado). Na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, nos dois dispositivos em que o “jus cogens” se encontra expressamente mencionado, em nenhum momento há referência a uma hierarquia de fontes, sendo que os mesmo se referem a uma hierarquia entre normas e ambos se relacionam a questões referentes à validade dos tratados internacionais. Trata-se do art. 53 (insculpido em seção relacionada a nulidades de tratados) e do art. 64 (em seção relacionada a extinção e suspensão da execução de tratados), ambos incluídos na Parte V da Convenção, que se auto-intitula: “Nulidade, Extinção e Suspensão da Aplicação dos Tratados”. Seus termos merecem transcrição, “verbis”: Art. 53 Tratado em Conflito com uma Normas Imperativa de Direito Internacional Geral (Jus cogens) É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral da mesma natureza. Art. 64 Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (Jus cogens) Se sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional geral, qualquer tratado existente em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.
O art. 53 transcrito, mal delineia o que considera como “jus cogens”: “norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto”, conquanto tenha dado suas notas distintivas, no conjunto das outras normas, com vistas a marcar-lhe sua posição hierárquica superior a estas: sua prevalência em caso de conflito e sua inderrogabilidade por estas. Quanto à questão do que seja o “conjunto dos Estados”, sua indefinição apresenta os mesmos problemas que aqueles relacionados à constituição dos costumes internacionais (a questão da indeterminação sobre o número de vezes que um ato deva ser praticado, para constituir-se num costume internacional): a nosso ver, a questão não apresenta maiores dificuldades, tendo-se em conta, como fizemos, que, da mesma forma que a constituição de um costume se refere mais à prevalência dos valores nele reconhecidos como obrigatórios (a relevância da “opinio juris”), a determinação de uma norma como sendo “jus cogens” dependerá dos valores transcendentais que ela acolhe.
Sabe-se, a partir dos relatórios das sessões da CDI, a propósito da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que esta preferiu não dar exemplos de normas do “jus cogens” no texto final adotado (dado o evidente risco que qualquer enumeração num texto normativo comporta, de limitar a abrangências e finalidade dos dispositivos). As atas daquelas sessões, contudo, revelam que tinham sido propostos alguns exemplos de tratados que atestariam a força derrogatória do “jus cogens”, tais como: tratados que legitimassem o emprego da força, contrários aos dispositivos da Carta da ONU, tratados que organizem o tráfico de escravos, ou que legitimasse a pirataria ou o genocídio, tratados que violassem normas de proteção aos direitos humanos.
A doutrina internacionalista que se debruçou sobre a hermenêutica daqueles dispositivos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, tem afirmado que a tarefa de dizer quais valores constituem o “jus cogens”, deverá ser conferida às outras fontes do Direito Internacional, nomeadamente, à doutrina e à casuística da jurisprudência internacional. A nosso ver, a interpretação é correta e se reforça por outro dispositivo expresso da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, o art. 66 alínea a), assim redigido: “qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou interpretação dos art. 53 ou 64 poderá, mediante pedido escrito, submetê-la à decisão da Corte Internacional de Justiça, salvo se as partes decidirem, de comum acordo, submeter a controvérsia à arbitragem”.
Embora não tendo sido um pedido conforme previsto no referido art. 66 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ao que tudo indica, conceito já integrado, a jurisprudência internacional já se manifestou, de modo incidental, sobre a questão, nas considerações das fontes do Direito Internacional. No Caso Barcelona Traction, julgado, no mérito, em 1970 pela CIJ, há um importante "obiter dictum"(3) que merece ser transcrito “in verbis”: "Uma distinção deve ser estabelecida entre as obrigações dos Estados para com a comunidade internacional no seu conjunto e aquelas que nascem face a um outro Estado, no quadro da proteção diplomática. Por sua própria natureza, as primeiras dizem respeito a todos os Estados. Vista a importância dos direitos em causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo um interesse jurídico em que estes direitos sejam protegidos; as obrigações de que se trata, são obrigações "erga omnes"...”tais como: a declaração de ilegalidade (“mise hors la loi”) de atos de agressão e de genocídio...e [a obrigação de respeito] aos princípios e regras concernentes aos direitos fundamentais da pessoa humana, neles incluídos a proteção contra a prática da escravidão e a discriminação racial”. Uma discussão paralela à do “jus cogens”, desenvolveu-se na Comissão de Direito Internacional, a propósito da elaboração de seu Projeto sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados, sob a presidência do pranteado e ilustre Professor de Milão, Roberto Ago; aquele Projeto que atualmente se encontra acabado, no seio daquela Comissão, encontrava-se, quando redigíamos o presente trabalho, entregue à Assembléia Geral da ONU, para seu exame pelos Estados, face à possibilidade da convocação de uma conferência diplomática “ad hoc” para subscrever-se um futuro tratado com as normas constantes do mesmo. Trata-se, dentre as várias formas de regular-se a responsabilidade internacional dos Estados, por violações de normas internacionais (atos, naquele Projeto, tipificados como “delitos”), da definição da responsabilidade dos Estados, pela prática de “crimes internacionais”. A nosso ver, trata-se da parte mais criticável daquele Projeto, não só pelas tentativas de criminalizar condutas dos próprios Estados nas relações internacionais (em confronto com o fato de que o instituto da responsabilidade criminal tende a ser sempre centrado no indivíduo), como pelo fato de ter, num estatuto criminal, lançado mão de exemplificações.
“Soft law”, teria sua tradução adequadamente expressada em português do Brasil, por “direito flexível”, não fossem outras conotações que esta última expressão pode conter, em alguma corrente doutrinária deste país, onde “flexível” significaria “achado na rua”. A doutrina em outras línguas que o inglês, ou utilizam a expressão “soft law” em itálico (tal qual o fazemos) ou circunlóquios eruditos como o fazem os Profs. Dinh/Dailler/Pellet: “atos concertados não convencionais”. De qualquer maneira, a oposição “soft law” v. “hard law” indicaria um contraste entre duas realidades coexistentes e que se autoimplicam: tanto se encontra presente o fator tempo (a “hard law” seria um produto acabado, ao final de uma evolução geracional ao longo do tempo, portanto, a norma terminada na sua inteireza, e “soft”, seria um vir a ser, um ato em potência, um ato de vontade dos Estados, que aspira a tornar-se uma norma), quanto o fator finalidade (na “hard law”, os Estados estabelecem obrigações jurídicas fortes, para serem efetivamente cumpridas, e na “soft law” existem normas jurídicas, mas seu cumprimento é meramente recomendado aos Estados, que podem, inclusive, não cumpri-las, sem que haja sanções aplicáveis aos inadimplentes). O conceito de “soft law” emergiu a partir da relevância e da atuação crescente da diplomacia multilateral, seja nos foros diplomáticos de negociações, seja a partir de interpretações dadas aos tratados multilaterais elaborados sob a égide das organizações intergovernamentais, seja dos próprios atos unilaterais destas. seja nas organizações intergovernamentais, seja em congressos e conferências. A ideia subjacente à sua adoção e sua aceitação generalizada, parece-nos, conforme já nos expressamos, repousar num sentimento de que as normas jurídicas deveriam estar mais perto das necessidades humanas, as quais nem sempre encontrariam respaldo nas ações governamentais (fenômeno decorrente da participação mais eficaz da sociedade como um todo, na formulação da política internacional). A tal desconfiança, somou-se, ainda, a tendência de, na globalização horizontal, um dos traços característicos dos dias correntes, as normas internacionais invadirem praticamente todos os setores da vida societária, sendo contaminadas pelas especializações e tecnicismos próprios de cada campo regulamentado (sendo dado que os negociadores tradicionais dos Estados, em especial na sua tarefa de elaborar a nora internacional, não teriam conhecimento adequado dos fenômenos que estariam regulados pela norma internacional clássica). Enfim, o relativo imobilismo das normas jurídicas, pareceria inadequado para responder a necessidades de normatizar o universo das relações internacionais, dominado por uma tecnologia e uma ciência, que se desenvolviam a galope e com resultados cada vez mais revolucionários no relacionamento entre Estados. Deve ser enfatizado que, dentro da dinâmica de tais fenômenos, é mister não perder-se de vista que nos foros das negociações multilaterais, lugar onde emergiu a “soft law”, os Estados, na sua atividade de agentes da política internacional, sempre estiveram mais preocupados com a resolução das novas questões, de maneira rápida, adequada e eficiente, e menos interessados em perquirir sobre a roupagem jurídica de suas decisões em comum. Na verdade, a atividade normativa dos Estados nas relações internacionais, é, de certa forma, secundária ou auxiliar, no conjunto das atividades políticas, tais como o gerenciamento de crises, ou de administração de interesses próprios ou comuns a outros Estados. Sendo assim, nos campos mais extensos das relações internacionais, mesmo que não se tratasse de atividades de feitura do Direito Internacional, emergiu uma impressionante massa de atos multilaterais, subscritos pelos Estados, elaborados numa forma distinta daquela tradicional dos tratados e convenções multilaterais ou de outros atos tipificados a partir das fontes formais clássicas do Direito Internacional, e cuja realidade pedia uma definição do Direito Internacional. Os campos privilegiados foram os domínios do Direito Internacional Econômico (a ênfase na discussão de um Direito do Desenvolvimento ou “ao Desenvolvimento”) e da proteção internacional do meio ambiente (a emergência de um verdadeiro sistema, que passou a ser denominado de Direito Internacional do Meio Ambiente), embora todos os outros aspectos das relações internacionais tivessem sido invadidos por aquela tendência.
As denominações das normas que integram a “soft law” têm variado: “non binding agreements”, “gentlemen’s agreements”, códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípios, ata final, e até mesmo apelações mais comumente reservadas aos tratados e convenções internacionais, como: acordos e protocolos. “Gentlemen’s Agreements” é um compromisso de os Estados, no curso de uma negociação, de, ao final de uma sessão não terminativa, continuarem com as futuras tratativas, a partir do ponto em que elas se encontram. “Gentlemen’s agreement” não se encontra consagrada em textos oficiais, diferentemente de “non binding agreements”, que expressa a mesma realidade, e que tem sido utilizada, de maneira formal, a ex.: do ato firmado pelos Estados participantes da ECO-92 no Rio de Janeiro, na sua inusitada denominação: "Non-Legally Binding Authoritative Statement of Principles for a Global Consensus on the Management, Conservation and Sustainable Development of All Types of Forests", igualmente conhecido como “Declaração de Princípios sobre Florestas”. Os efeitos de um “gentlemen’s agreement” podem ser variados, e tanto podem dirigir-se a um futuro comportamento dos Estados, na esfera das relações internacionais, quanto na esfera das respectivos ordenamentos jurídicos nacionais. Quanto ao primeiro aspecto, merece destaque algumas normas da “soft law” adotados durante a ECO-92: na ocasião, foram fixados de forma imperativa, os temas para as próximas reuniões de órgãos da ONU, ou seja, o início de negociações, para na subseqüente sessão da AG da ONU, sobre a questão do combate à desertificação bem como a convocação de uma conferência da ONU para tratar dos problemas da pesca em alto mar. De tais entendimentos, resultaram, após longas negociações, a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação Naqueles Países que Experimentam Sérias Secas e/ou Desertificação, Particularmente na África, 17 de julho de 1994, Nova York10 e o Acordo para a Implementação das Provisões da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de Dezembro de 1982, Relativas à Conservação e Gerenciamento de Espécies de Peixes Altamente Migratórios e Tranzonais, adotado em Nova York, a 04 de agosto de 1995. Quanto a normas da “soft law” que implicam num dever de adequar os ordenamentos jurídicos nacionais, devem ser citados ao denominados “códigos de conduta”, as “leis modelos” e as incontáveis normas que regulam indústrias domésticas. As matérias versadas variam e se tornam cada vez mais especializadas, em função das competências das organizações intergovernamentais. Alguns exemplos: as normas adotadas pela Organização Mundial da Saúde, tais o Regulamento Sanitário Internacional, nas suas várias versões, aprimoradas desde 1951 (controle de moléstias ditas quarentenárias) ou o Código Internacional de Substitutivos do Leite Materno (1981), as normas votadas pela UNCITRAL, como a “Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional” de 1985, e o instigante projeto em permanente elaboração pelo ECOSOC, sobre um Código de Conduta das Empresas Transnacionais. Ainda ancorado numa concepção formalista, de que as obrigações internacionais somente são exigíveis dos Estados, na medida em que assumem as formas das fontes tradicionais, há autores de nomeada que negam à “soft law” um caráter jurídico e consideram-nas como “obrigações naturais, ou morais”. A nosso ver, a “soft law” não é uma obrigação de natureza moral; não nos sentiremos à vontade em admitir como uma obrigação moral, as recomendações de uma agência oficial da ONU ou do Banco Mundial ou de um banco regional, sobre a realização prévia de estudos de impacto ambiental no território de um Estado peticionário de um financiamento milionário a um projeto de grandes obras públicas, cuja inobservância impossibilitaria qualquer concessão de fundos!
Enfim, a questão da “soft law” parece-nos um campo onde os conceitos ainda se encontram em fase de gestação, e não permitem uma formalização suficiente para que se prestem a serem considerados, com alguma segurança científica, fontes do Direito Internacional. É um domínio entre a política internacional, onde prevalece a inventividade dos Estados e de seus negociadores, onde se releva a parca preocupação com legalidades, ou mesmo onde pode ser nula a preocupação formal, e o Direito Internacional, que nem sempre pode forçar sua técnica para poder qualificar quaisquer fenômenos como fontes de suas normas. Trata-se de um campo nebuloso onde incidem as necessidades “de lege ferenda”, pelo menos, do ponto de vista da tipificação dos fenômenos, os quais, por todos os seus elementos, têm a aparência de possuírem todos os característicos clássicos de uma fonte do Direito Internacional.” Referência:
Fenômeno Convencional: A Personalidade Jurídica Internacional
“Professor Guido Soares
۩. Introdução
O conceito de sujeito de direito, em qualquer ordenamento jurídico, é o reconhecimento por ele operado, daquelas pessoas, indivíduos ou coletividades de indivíduos, ou mesmo outros determinados fenômenos, que são titulares de direitos e obrigações. A personalidade jurídica é um “status” conferido pelo sistema jurídico a pessoas ou entidades, através de uma qualificação operada por critérios determinados exclusivamente pelo próprio sistema jurídico, os quais, além de definir quais fenômenos constituem um sujeito de direito, ainda fixa-lhes os conteúdos e a extensão dos respectivos direitos e obrigações. Como qualquer definição no campo do direito, trata-se de uma operação normativa concomitante: uma tipificação e também uma criação, uma atribuição de direitos e deveres ao tipo de titular assim definido. Contudo, não é qualquer conceito, criação organizacional, ou situação que merecem ser tratados como sujeitos de direito, mas tão somente aqueles fenômenos que o ordenamento jurídico, de maneira formal, reconhece como tais.
Trata-se, pois, de uma criação no mundo normativo, levada a cabo, com exclusividade, pelas normas jurídicas, que, na sua atuação, independem de qualquer outra linguagem (neste sentido, o direito é uma linguagem que se autobasta), como o da Sociologia, Economia ou da Ciência Política, nomeadamente, da Política Internacional. Assim sendo, o conceito de “atores internacionais”, extremamente importante na Política Internacional, sem dúvida mais generoso e mais rico de conseqüências que o de “sujeito de Direito Internacional”, não tem qualquer serventia para o Direito Internacional Público. Não se pode negar a importância da mídia internacional nas relações internacionais, mas esta é uma realidade inexistente no Direito Internacional, da mesma forma que os partidos políticos ou as empresas multinacionais. Por outro lado, um movimento de libertação nacional, como a Organização de Libertação da Palestina, tem uma realidade no Direito Internacional, como se verá a seguir, não porque seja um relevante ator internacional, mas unicamente porque o Direito Internacional lhe confere alguns atributos de “sujeito de Direito Internacional”.
Ser sujeito de Direito Internacional, não se confunde com a situação de ser destinatário de suas normas, nem com as entidades ou fenômenos que possam estar nelas mencionados, a título de proteção ou de evitar-se sua presença. Parece-nos que os conceitos de sujeito ativo e sujeito passivo sejam problemáticos em Direito Internacional, uma vez que, conquanto as normas jurídicas tutelem os interesses e até mesmo os direitos subjetivos ou as obrigações de determinadas pessoas, não significa terem as mesmas o atributo de sujeito daquele Direito. É o caso, cada vez mais freqüente, devido à globalização vertical crescente na atualidade, de as normas internacionais mencionarem, diretamente, as pessoas nos ordenamentos internos dos Estados, em quem se canalizam os direitos e deveres; a exemplo, o explorador de uma central nuclear, o proprietário do navio, os responsáveis por um estabelecimento comercial ou de pesquisa (em questões de responsabilidade civil, respectivamente, por danos nucleares, por poluição marinha por óleo e por lançamento ao meio ambiente de produtos a este danosos). Por outro lado, seria um rematado absurdo atribuir-se personalidade jurídica aos ursos polares, aos animais e plantas em perigo de extinção, e mesmo a cavernas, formações corais, montanhas, monumentos históricos, obras de arte, fenômenos esses que, no entanto, se encontram expressamente tutelados em inúmeras convenções internacionais, das quais mencionamos a CITES[1] e a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Natural e Cultural da Humanidade, assinada em Paris (UNESCO), a 1972[2].
Da mesma forma, conceitos bastante atraentes, como “humanidade”, “comunidade internacional”, aparentemente seriam sujeitos de Direito Internacional, caso partíssemos do pressuposto de que a mera constância em tratados e convenções internacionais, lhes pudesse conferir a personalidade jurídica! Na verdade, a humanidade tem reconhecido “seu interesse”[3] e conta mesmo com um seu “patrimônio comum”[4], conforme expressamente dispõem tratados e convenções internacionais, bem como a “comunidade de Estados no seu conjunto”[5] tem seus poderes jurídicos. Mas nem porisso, são tais entidades pessoas de Direito Internacional Público, pela simples razão de que este Direito não lhes reconhece tal atributo.
O fato é que a atribuição de uma personalidade jurídica a qualquer fenômeno, além de ser uma operação de individualização realizada pelo Direito Internacional Público, segundo seus exclusivos critérios, os quais são determinados pelas suas normas, essas, reveladas pela interação de suas fontes, é, igualmente, uma operação que atribui, não de maneira automática, mas segundo critérios igualmente normativos, determinados direitos e deveres, na medida e na extensão em que tais normas igualmente os definem. Conforme veremos, as organizações intergovernamentais e a pessoa humana, na atualidade, são sujeitos de Direito Internacional, mas não têm os mesmos poderes e não gozam da plenitude dos direitos e deveres atribuídos aos Estados, tendo em vista que as normas do Direito Internacional lhes trata de maneira substancialmente diferenciada.
۩. Os Estados
O Estado é uma forma de organização da sociedade, que emergiu, de maneira espontânea, no momento histórico em que o poder de um governante se tornou exclusivo sobre um território, passando as pessoas e coisas a serem submetidas a seu poder jurisdicional, em virtude de dois vínculos possíveis, concomitantes ou exclusivos: uma simples situação de nele estar e por possuírem sua nacionalidade. A realidade jurídica e política que é o Estado, nascido no Séc. XVI, conforme já expusemos, teria um posterior desenvolvimento na história das instituições e fatos sociais, em direção a uma despersonificação do poder, ao mesmo tempo em que se estabeleciam limites à abrangência territorial e pessoal das suas competências.
Existe uma definição formal do Estado, na Convenção Panamericana de Montevidéu de 1933 sobre Direitos e Deveres dos Estados (no Brasil promulgada pelo Decreto no 1.570 de 13/04/19370), assim redigida: “O Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes requisitos: a) população permanente; b) território determinado; c) Governo; e d) a capacidade de entrar em relações com os demais Estados”. Na doutrina, inexiste discrepância quanto à três primeiras condições da personalidade internacional dos Estados; quanto ao quarto, parece que a capacidade de entrar em relação com outros Estados é mais uma conseqüência da personalidade do que propriamente um elemento constitutivo da mesma. Outras teorias acrescentam o reconhecimento internacional do Estado como um elemento de sua personalidade; a nosso ver, embora seja um fator importante para o exercício da plenitude de seus poderes, contudo, o reconhecimento não é um ato constitutivo, pois a ninguém ocorreria atribuir a existência da República Popular da China, somente a partir de 1971, data de sua admissão na ONU[6], a mais clara e formal expressão daquele reconhecimento internacional! Tais pontos, como outros relativos ao nascimento do Estado, serão examinados no Cap. 11 do presente Curso.
Para o Direito Internacional da atualidade, o Estado apresenta-se como uma pessoa indivisa, independentemente de sua organização interna, seja esta na forma de Estados unitários ou Estados federais. Outras formas como as uniões pessoais ou reais[7] ,destas últimas, com destaque para as confederações de Estados[8], existentes em séculos passados, desapareceram na atualidade. A questão do tipo de organização interna dos Estados é assunto que refoge ao Direito Internacional, constituindo-se o denominado “domínio reservado dos Estados”, mas ainda permanecem algumas questões que merecem ser citadas: o caso dos EUA (que, segundo o seu direito interno, admitem a possibilidade dos Estados federados subscreverem tratados internacionais com os vizinhos, em assuntos de competência dos mesmos e não da União), do Canadá (a Província de Quebec mantém uma embaixada em Paris) e os casos da Bielorússia (Rússia Branca) e Ucrânia, que ao tempo da existência da URSS, tinham assento, com voz e voto, juntamente com esta, nos órgãos da ONU, salvo no Conselho de Segurança, que era ocupado exclusivamente pela URSS. Restou de tais fenômenos, em que um Estado, em princípio, poderia apresentar-se com várias representações frente ao Direito Internacional, e para evitar-se tal fenômeno, em particular para as eventualidades de um Estado querer subtrair-se às obrigações de um tratado multilateral, ao invocar sua organização constitucional interna, como composto de entidades soberanas, emergiu a prática da denominada “clausula federal”: os Estados signatários de tratados, em virtude da mesma, comprometem-se a aplicar as normas avençadas, para qualquer eventual partição política ou jurídica que exista no interior de seu ordenamento jurídico nacional[9].
Associado ao Estado como pessoa de Direito Internacional, acha-se o conceito de soberania (que não deve ser confundido com “governo”), elemento que realiza a interdependência recíproca e necessária entre os três elementos componentes do Estado. Há uma distinção de certa forma didática, mas discutível quando à sua virtualidade, pois introduz fissuras num conceito tão compacto quanto o de soberania e faz supor duas realidades mutuamente impenetráveis uma noutra (o interno e o internacional); soberania interna (exclusividade de poderes normativos e de ação política no relativo ao sistema jurídico interno) e soberania externa (elemento que mais precisamente definiria a personalidade do Estado, no universo das relações internacionais e que marcaria sua individualidade). Os contornos conceituais do que seja soberania têm variado ao longo da história, e refletem as variações da própria concepção das finalidades e da gênese do Direito Internacional: um poder ilimitado, que mal conviveria com a presença de outros Estados, na medida em que representava a vontade dos monarcas absolutistas, um poder auto-limitado (evidentemente numa concepção que desprezava o fenômeno limitações inerentes num relacionamento internacional e se centrava num fenômeno isolado da vontade de um super-poder, ao gosto de um Hegel) e de um poder absoluto, limitado desde afora, por um conjunto mínimo de regras de autocontenção (concepção dominante no Séc. XIX e que teria uma expressão extemporânea com o Caso Lotus). Neste Caso, julgado em 1927 pela CPJI, a França, inconformada com a condenação do comandante francês do navio Lotus, que tinha abalroado em alto mar um vapor turco e causado a morte de marinheiros desta nacionalidade, discutia se a Turquia poderia, segundo o Direito Internacional, ter exercido sua jurisdição penal, para punir crimes cometidos em alto mar contra nacionais deste país[10]. A sentença da CPJI foi no sentido de que inexiste regra de Direito Internacional que proíba um Estado estender sua jurisdição penal a fatos ocorridos em alto mar (a CPJI considerou, de modo muito estranho, que o crime teria, por uma ficção, ocorrido em território turco: o navio desta nacionalidade), e, na parte em que tem sido criticável, por voto de desempate do seu presidente, deu como razão de decidir, o argumento de que os Estados tudo podem, salvo aqueles comportamentos expressamente proibidos pelo Direito Internacional.
Contudo, por mais avassalador que tenha sido a introdução do conceito de interdependência, tida como condição necessária nas relações internacionais e a afirmação da tônica da cooperação como um dos traços primordiais do Direito Internacional, ainda permanecem firmes, em primeiro lugar, os conceitos que constituem os pressupostos daquele Direito, ou seja, a soberania dos Estados e sua independência, e em segundo, a existência de deveres internacionais correlatos a tais situações subjetivas. No que diz respeito a deveres internacionais, que limitam os poderes dos Estados, são eles referíveis ao exercício da competência territorial ( a) não ingerência nos negócios internos de outros Estados e b) ao estabelecimento de restrições a atividades que importam numa utilização imoderada dos respectivos territórios) e ao exercício da competência sobre pessoas e bens sob a jurisdição dos Estados. Tais fenômenos serão estudados, respectivamente, nos Capítulos 13 e 14 desta obra.
A nosso ver, uma descrição dos direitos e deveres dos Estados, decorrentes de sua personalidade de Direito Internacional, melhor seria enfocada, a partir de uma comparação com os poderes e faculdade de outras pessoas de direito internacional, em particular, as organizações intergovernamentais. Para tanto, adotaremos a enumeração do que o Prof. P-M. Dupuys[11] denomina de “capacidades internacionais do Estado”, arroladas em “cinco categorias fundamentais”, e acrescentaremos nossas observações.
A primeira categoria, é a “capacidade de produzir atos jurídicos internacionais”. Neste particular, é lapidar os conceitos expedidos no julgamento da CPJI em 1923, no Caso do Vapor Wimbledon, “verbis”: “Sem dúvida, qualquer convenção... aporta uma restrição ao exercício dos direitos soberanos do Estado, no sentido de que ela imprime a este exercício uma direção determinada. Mas a faculdade de contratar compromissos internacionais é precisamente o atributo da soberania do Estado”. Somente os Estados têm o poder de instituir obrigações válidas “erga omnes”, através de tratados ou convenções internacionais, conforme regulados pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. São tais atos as fontes mais claras do Direito Internacional Público e os limites à iniciativa dos Estados são praticamente inexistentes, na consciência generalizada atual, apenas determinados pelas normas do “jus cogens”. As organizações intergovernamentais podem obrigar-se através de atos menos solenes, em geral bilaterais, que criam obrigações restritas, tendentes a ser atos administrativos de execução de tarefas pactuadas (e menos atos de criação de normas gerais) entre de um lado, estas pessoas, e de outro, os Estados[12] ou outras organizações intergovernamentais[13]; sua atuação em matéria normativa, nos poucos casos que há, produz, como já visto, normas unilaterais de Direito Internacional, cujos efeitos “interni corporis” ou “erga omnes”, são estritamente regulados pelas normas dos tratados multilaterais, em particular, os tratados-fundação.
A segunda categoria é a “capacidade de verem-se imputados fatos ilícitos internacionais”, ou melhor dito, a capacidade de os Estados integrarem como partes, as obrigações internacionais de reparação de danos, originadas de um ilícito internacional, (danos decorrentes de ações ou omissões, que acarretem uma violação de uma obrigação internacional e causem um dano a outro Estado), seja no pólo do devedor, seja no pólo de credor das obrigações. Quanto às organizações intergovernamentais, o assuntos é polêmico, no que se refere a situações em que as obrigações de reparação de danos devidas a Estados, lhes é imputável: em geral, nos tratados-fundação ou em outros atos multilaterais que definem a personalidade da organização intergovernamental, há dispositivos sobre a existência e limites à sua responsabilidade civil e administrativa (neste último aspecto, devendo-se dizer da existência de um Tribunal Administrativo na OIT e na ONU, para as questões trabalhistas e previdenciárias entre as organizações e seus funcionários).
No que se refere à imputabilidade de atos ou fatos a pessoas de direito interno, indivíduos ou empresas, é necessário distinguir tratar-se: a) da responsabilidade tradicional dos Estados (responsabilidade subjetiva, ou por culpa), onde inexiste a possibilidade de presença do indivíduo ou empresa privada como um dos pólos de relacionamento com os Estados, ou b) da responsabilidade objetiva ou por risco, também denominada “responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional”, criação recente de tratados multilaterais no domínio da proteção do meio ambiente, a partir dos anos 1960, na qual a regra internacional, ou canaliza a responsabilidade no Estado causador do dano (Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, adotada em Londres, Moscou e Washington, a 22 de março de 1972 e no Brasil promulgada pelo Decreto nº 71.981 de 22/III/1972), ou institui a norma de canalizar a responsabilidade em pessoas de direito privado (casos de poluição do mar por óleo, por danos nucleares, pelo transporte marítimo de substâncias perigosas, e muito recentemente, por questões relativas à biossegurança[14], sem contar aquelas de âmbito regional sobre assuntos tópicos). A questão será esmiuçada no Cap. 9 desta obra.
A terceira categoria constitui a “capacidade de acesso aos procedimentos contenciosos internacionais”, seja os diplomáticos (negociações, bons ofícios, mediação, procedimentos investigatórios e conciliação) seja os jurisdicionais (arbitragem e acesso irrestrito e por direito próprio, aos procedimentos dos tribunais internacionais da atualidade). As organizações intergovernamentais, como pessoas de Direito Internacional, podem servir de foros onde aqueles procedimentos são levados a cabo, e seus órgãos, em particular os unipessoais, como o Secretário Geral da ONU, podem ser os agentes de aplicação dos citados procedimentos diplomáticos: destaque-se, ademais que a CIJ é um órgão da ONU. Num caso que envolveu uma dúvida da Assembléia Geral da ONU, sobre a possibilidade de um pedido de reparação de danos causados a um funcionário da ONU, intentadas contra um Estado, a CIJ, no Parecer Consultivo sobre Reparação de Danos Sofridos a Serviço das Nações Unidas, de 11/04/1949, por vezes referido como “Caso Bernardotte”[15], reconheceu a personalidade jurídica da ONU, e que portanto pode introduzir uma reclamação contra Estados, nos casos de danos causados a seus funcionários (a título de danos causados à própria organização, tendo reconhecido existirem direitos inerentes a uma “proteção funcional, assimilável ao da “proteção diplomática”, tradicional, que os Estados conferem a seus nacionais e que permite a estes assumir como deles, os direitos subjetivos a uma reparação, conferidos a pessoas físicas ou jurídicas). Contudo, as organizações internacionais não podem integrar os pólos ativos ou passivos dos procedimentos em que um Estado esteja envolvido (pense-se numa arbitragem entre a ONU e um Estado!) e no caso da CIJ, a jurisdição deste tribunal internacional, no caso de um litígio entre uma organização intergovernamental e um Estados ou outras organizações intergovernamentais, se restringe à emissão de Pareceres Consultivos, conforme art. 34 § 1o e art. 65 §1o e 2o, todos do Estatuto. Excetuam-se os casos das integrações econômicas regionais do tipo mercado-comum, como se sabe, nas quais existem tribunais regionais onde se admitem como partes os Estados Membros, os órgãos das organizações intergovernamentais e pessoas físicas ou jurídicas, bem como o caso do Tribunal Internacional do Mar, instituído pela Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar, de 1982. No caso da pessoa humana, seu acesso a procedimentos arbitrais contra Estados e em procedimentos judiciários em tribunais internacionais, será melhor visto na Seção 7.3 deste Capítulo, mais além.
Na quarta categoria, inclui-se a “capacidade de tornarem-se membros e de participar plenamente da vida das organizações internacionais intergovernamentais”. A plenitude de tais direitos diz respeito à possibilidade de integrar os membros componentes de órgãos colegiados de tais organizações intergovernamentais, e o direito de compor a formação da vontade das mesmas (direito a voz e voto), devendo observar-se, contudo, que tais direitos podem estar condicionados pelas normas dos tratados fundação das organizações intergovernamentais. Pode dizer-se que as delegações de organizações intergovernamentais junto a outras organizações intergovernamentais, não possuem aqueles direitos frente a estas e, na maioria das vezes, seus delegados são acreditados nas reuniões ordinárias ou extraordinárias, na qualidade de meros observadores, sem direito a voz e voto.
E, enfim, a quinta categoria, “a capacidade de estabelecer relações diplomáticas e consulares com outros Estados”, denominado direito de legação, resulta no direito de enviar representantes próprios junto a outros Estados ou organizações (direito de legação ativo) e no dever de receber e acreditar representantes de outros Estados em seus territórios (direito de legação passivo); tal capacidade dos Estados é uma das mais tradicionais, atualmente regulada por duas Convenções multilaterais: de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e de Viena sobre Relações Consulares de 1963, além de um relevante costume internacional e de um tratamento generalizado nas legislações internas dos Estados. Na atualidade, a capacidade de estabelecer relações diplomáticas (não porém relações consulares), é uma faculdade conferida, igualmente, a organizações intergovernamentais, porém com limitações quanto a assuntos e interesses das pessoas representadas e sem a totalidade dos privilégios e imunidades conferidos aos representantes de Estados.
Acreditamos que existem outras categorias de capacidades internacionais do Estado. Uma que merece destaque é a de exercer, frente a outros Estados, uma efetiva e legítima proteção a pessoas físicas e jurídicas que os Estados consideram como seus nacionais. Tais faculdades, decorrentes de um forte vínculo que existe entre o Estado e tais pessoas, a nacionalidade, expressam-se nos institutos da proteção diplomática e nos direitos de estabelecimento de relações consulares, fenômenos bastante claros no Direito Internacional, profusamente reveladas por várias de suas fontes. Quanto a tais faculdades conferidas às organizações intergovernamentais, inexiste entre as mesmas e as pessoas físicas ou jurídicas a ela diretamente relacionadas, conexões tão fortes como a nacionalidade; trata-se de um tipo de vinculação de caráter contratual (contratos de trabalho ou contratos administrativos entre a organização e seus funcionários), que institui o que o referido Parecer Consultivo da CIJ no Caso Bernardotte denominou de “proteção funcional” (o funcionário da organização ou as pessoas físicas ou jurídicas que se vinculam com a organização internacional), as quais retiram sua validade de normas especiais (os tratados fundação e os atos unilaterais de caráter normativo baixados pelas organizações intergovernamentais).
۩. As organizações intergovernamentais e as Ongs
As organizações intergovernamentais, juntamente com as organizações não governamentais, as denominadas ONGs, são criaturas resultantes da vontade dos Estados ou de pessoas de direito interno, que, à semelhança do que ocorre nos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados, têm uma existência como uma pessoa coletiva, que não se confunde com os indivíduos ou as entidades que as constituíram ou que as compõem. Na verdade, no Direito Internacional tradicional, sobretudo na doutrina, quando existe referência a organizações coletivas instituídas por Estados e integradas por seus representantes, diz-se “organização internacional”, talvez porque as ONGs somente após 1960 se tenham tornado mais atuantes, como relevantes atores internacionais e, portanto, os questionamentos sobre sua personalidade jurídica se tenham suscitado com mais freqüência. Contudo, são realidades que emergiram, na História, nos finais do Séc. XIX, as organizações intergovernamentais têm crescido em importância, dadas as necessidades impostas pelas realidades e os deveres de cooperação entre Estados e as ONGs, por uma expansão das facilidades de intercâmbio de pessoas e de informações técnicas e científicas, correlatas a um natural associativismo da pessoa humana, em particular, à vista da maior eficácia na defesa de interesses comuns, em quaisquer partes do mundo, quando empreendida por ações coordenadas. ***
Tantos as organizações intergovernamentais quanto as ONGs, resultam de um ato de vontade, no primeiro caso, de Estados, consubstanciados num tratado ou convenção multilaterais, estritamente regulados pelo Direito Internacional, e no segundo, de atos instituidores, celebrados entre particulares, com ou sem a interveniência de órgãos públicos, regidos por leis internas de algum Estado.
Ora, como se sabe, os fenômenos volitivos, para que possam produzir efeitos jurídicos, necessitam do reconhecimento de tais virtudes, por uma norma jurídica, que se encontra fora do sistema obrigacional instituído pela vontade (pois se a vontade fosse suficiente para ela mesma produzir efeitos jurídicos, bastaria ela mesma declarar serem válidos suas manifestações, o que haveria uma petição de princípio de dar-se por provado, o que se necessita provar). A nosso ver, a simples declaração, num tratado fundação de que uma organização intergovernamental tem personalidade jurídica, não é suficiente para conferir-lhe tal “status”, nem para, de tal fato, seguirem-se atribuições de capacidades indeterminadas no campo do Direito Internacional.
No caso das organizações intergovernamentais, há o costume internacional, de os Estados reconhecerem a personalidade jurídica das mesmas, de maneira indireta, como comprovam os atos celebrados entre os Estados anfitriões das sedes ou das reuniões celebradas em seus territórios (nos quais se reconhecem responsabilidades civis, administrativas e financeiras às organizações intergovernamentais, se outorgam privilégios a bens e serviços das organizações intergovernamentais, ao pessoal a seu serviço e às suas comunicações oficiais com o exterior). Em todos os Estados, pelo menos naqueles em que existem representações diplomáticas das organizações intergovernamentais, há dispositivos que reconhecem as mesmas como pessoas jurídicas, o que configura um princípio geral de direito. Como se não bastassem tais fontes do Direito Internacional, ainda, em 1949, a CIJ, no citado Parecer Consultivo no Caso Bernardotte, afirmaria que a ONU, “sendo titular de direitos e obrigações, possui, numa larga medida, uma personalidade internacional e tem capacidade de agir no plano internacional, ainda que não seja ela, por certo, um super-Estado”.
Em um trabalho anterior[16], em que analisamos as ONGs, dado que estas organizações se definem de modo negativo em relação às organizações intergovernamentais (então abreviadas para OIs), traçamos os elementos característicos destas, que agrupamos em três, nos seguintes termos:
...o primeiro traço característico de uma OI é sua instituição através de um tratado ou convenção internacional[17], bilateral ou, como regra, multilateral, que, por sua natureza, constitui o ato fundador daquela; o conteúdo de tal tratado ou convenção pode ser variado, seja de simples instituição de uma OI, seja de normas de finalidades variadas, junto das quais se constitui uma organização “ad hoc” para a aplicação das mesmas. Dado seu caráter fundador, tais tratados ou convenções, por vezes levam o nome de Carta, Constituição, Pacto, ou Estatuto. Contudo, nem sempre a existência de um tratado-fundação, é condição para que uma OI passe a gozar de uma personalidade jurídica reconhecida pelo Direito Internacional Público (inda que sem aquela plenitude de poderes, situação somente concedida aos Estados, individualmente), conforme se pode provar pela empresa Itaipu Binacional, entidade instituída por um tratado internacional entre o Brasil e Paraguai e que, no entanto, não se constitui como organização intergovernamental (mesmo porque aqueles tratados dispuseram tratar-se de empresa de prestação de um serviço público, a geração de energia elétrica, a partir de potenciais hidrelétricos havidos em comum entre ambos os países, com seu capital integralizado por quotas fornecidas por pessoas jurídicas de direito público interno de cada país), conquanto seu Estatuto seja um ato internacional interestatal[18].
Ainda conforme a doutrina generalizada dos internacionalistas, a segunda característica de uma OI é possuir ela, na sua inteireza ou pelo menos, em algum de seus órgãos, poderes decisórios que não dependem da vontade de nenhum Estado em particular: a vontade de tal órgão deve representar uma decisão da pessoa coletiva, estabelecida segundo procedimentos fixados nas normas de seu tratado-fundação. Tal capacidade de tomar decisões e elaborar normas, independentemente da vontade individual de dois ou mais Estados, é o elemento que mais distingue uma OI, daqueles órgãos instituídos em acordos bi- ou multilaterais, em que se instituem Comissões Mistas, compostas de funcionários de cada Estado-parte.
Nas OIs, conquanto haja órgãos unicamente compostos de funcionários estatais (integrados pelos delegados dos Estados partes, nas reuniões ordinárias ou extraordinárias[19]), mesmo naqueles casos em que as decisões se encontram alocadas a certos Estados (critérios de votos ponderados ou de procedimentos que privilegiam determinados Estados, como no caso do Conselho de Segurança da ONU), suas decisões são atribuídas a uma entidade coletiva com personalidade distinta dos Estados componentes da mesma.
Por outro lado, nem a possibilidade de existirem colegiados que se reúnem ordinariamente em datas marcadas, compostos de funcionários estatais, nem a existência de um corpo permanente de funcionários internacionais, em princípio desligados de qualquer subordinação àlgum Estado[20] parte de um tratado bi- ou multilateral, tidos como pessoas a-nacionais, são fatores que, necessariamente, garantam tratar-se de uma OI.
A nova engenharia normativa dos tratados multilaterais de proteção internacional ao meio ambiente, consubstanciada na adoção generalizada dos tratados-quadro[21] (tratados constituídos de normas gerais e vagas, cujo conteúdo é estabelecido ou especificado em deliberações tomadas em reuniões periódicas dos Estados partes, as Conferências das Partes, estas, portanto com iguais poderes que os plenipotenciários, no momento da adoção daqueles tratados-quadro), bem como a existência de inúmeros secretariados internacionais, com extensos poderes em relação aos Estados partes (sobretudo quanto à verificação de adimplemento das normas internacionais ou ainda, à segurança e uniformidade na sua aplicação[22]), nem sempre transformam aquelas reuniões periódicas de delegados de Estados, ou aqueles secretariados, em componentes de uma organização internacional.
O terceiro elemento caracterizador das OIs, é o fato de serem elas regidas pelo Direito Internacional Público, e não por qualquer direito nacional de algum Estado. Sobretudo, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, tem sido admirável a proliferação de entidades criadas entre Estados, para fins de controlar ou diretamente prestar serviços públicos, que, pela sua natureza, extrapolam os seus territórios e, portanto, exigem uma regulamentação em nível internacional. Entidades internacionais são estabelecidas, seja por acordos entre Estados, seja por atos das respectivas Administrações (direta ou indireta), consubstanciados em atos por eles delegados.
Na verdade, a teoria e a realidade das OIs têm tido, nos últimos anos, um desenvolvimento extraordinário, não só no capítulo das integrações físicas ou econômicas entre Estados, como, em particular, no desenvolvimento de entidades da administração indireta, com a instituição de inúmeros estabelecimentos públicos internacionais[23], alguns, em franco desafio à teoria já assentada do Direito das Organizações Internacionais.
Quanto às ONGs, reafirmamos o que dissemos em linhas anteriores: o fato de estarem mencionadas em tratados internacionais e instituídas como espécie de órgãos de implementação e supervisão de normas pactuadas (e caso tivesse havido a instituição de qualquer organização intergovernamental, seriam assimiláveis aos Secretariados das mesmas), não lhes confere a personalidade de direito internacional. Tal é o caso da União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos, IUCN([24]), criada, em Fontainebleau, em 1948, sob a égide da UNESCO, e por inspiração do Governo francês[25], a qual, na atualidade, dada subscrição da Convenção de Ramsar de 1971, "relativa a Zonas Úmidas de Importância Internacional.
Particularmente como Hábitat das Aves Aquáticas" (e seu Protocolo de 1982)[26], passou a ser encarregada, oficialmente, de exercer, em caráter provisório, (que se prolonga até os dias atuais), as funções de seu Secretariado e, a partir de 1972, por disposição da Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial e Cultural, adotada em Paris, sob a égide da UNESCO[27], (art. 8º § 3º), passou a ter assento assegurado no Comitê do Patrimônio Mundial desta organização intergovernamental, com importantes funções oficiais consultivas. Relembre-se, enfim, que mesmo com a relevância das ONGs especializadas em Direito Internacional, como o “Institut de Droit International” ou a “International Law Association”, no que respeita à formação da doutrina coletiva do Direito Internacional, nem porisso possuem tais entidades uma personalidade internacional.
Neste particular aspecto, merece destaque o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o CICV, entidade de Direito suíço, responsável pela proposta de negociações de importantes convenções multilaterais sobre Direito Humanitário, e encarregada, por expressa determinação dos Estados, nas 4 Convenções de Genebra de 1947 e nos seus 2 Protocolos de 1974, de importantes funções internacionais, a ponto de hoje ser pacífico, na doutrina internacionalista[28], o reconhecimento de sua personalidade internacional, conquanto não seja um organização pública interestatal. Veja-se, neste Curso, em particular, no Cap. 15, a Seção 3, denominada “O Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados”.
۩. A pessoa humana
Houve dúvidas quanto a atribuir-se uma personalidade jurídica à pessoa humana, em época recente. Na verdade, Estados e organizações intergovernamentais, não são entidades abstratas e impossíveis de serem individualizadas, como é a “pessoa humana”. Por outro lado, à vista de faltarem à pessoa humana alguns dos atributos que enunciamos como “as cinco categorias fundamentais” da personalidade jurídica em Direito Internacional, tão evidentes no que se refere aos Estados, com destaque à impossibilidade de seu acesso a procedimentos judiciais de solução de litígios entre pessoas jurídicas, nomeadamente as arbitragens e a legitimidade ativa ou passiva, por direito próprio a procedimentos frente a tribunais judiciários internacionais, levou autores de nomeada a negarem ter a “pessoa humana” uma personalidade de Direito Internacional.
Havia, no entanto, situações constrangedoras, que negavam o postulado daqueles autores, que se baseavam no pressuposto de um voluntarismo “in extremis”, de que o Direito Internacional seria um direito unicamente de relações entre Estados, e portanto, as únicas pessoas reconhecidas seriam os próprios Estados e as organizações coletivas que eles instituem, as organizações intergovernamentais.
Aquelas situações desafiadoras eram os casos de constância nas normas internacionais, de dispositivos que disciplinavam ações de indivíduos, como as mais antigas, de proibições de tráfico de escravos ou de atos de piratas e de corsários, sobre o comportamento de soldados em tempo de guerra, e mais modernamente, sobre atos de terrorismo internacional, dos mercenários internacionais a soldo de qualquer governo, de tráfico transfronteiriço de obras de arte e de espécies e espécimes de plantas e animais em perigo de extinção, da responsabilidade dos comandantes de navios e aeronaves; além destes casos individuais, havia a emergência de um inteiro setor do Direito Internacional, com uma força normativa inacreditável, que a partir da instalação da ONU, em 1945, ganhava mais e mais vigor: a proteção internacional dos Direitos Humanos, com uma engenharia normativa extremamente bem construída e dotada de mecanismos de verificação de seu adimplemento, sobretudo em níveis regionais.
As respostas daqueles autores, a fim de serem coerentes com sua concepção voluntarista do Direito Internacional, foi de que em tais casos, a pessoa humana seria um objeto do Direito Internacional, o que é uma negação de toda tradição da Ciência Jurídica e do Direito como Justiça, como se o homem pudesse ser um mero objeto desta admirável construção normativa que é o Direito, a qual foi lapidarmente definida por Dante como “uma proporção entre coisas e pessoas, do homem e para o homem, a qual, observada, conserva a sociedade humana e, corrompida, a corrompe”[29].
A nosso ver, o simples fato de aquelas pessoas, tão díspares e contraditórias no referente ao valor de sua atuação, como, de um lado, os terroristas, os mercenários, os piratas e corsários, ou os contrabandistas, e de outro lado, os comandantes de navios e aeronaves, os operadores de centrais nucleares, ou responsáveis por atividades perigosas e potencialmente danosas ao meio ambiente, estarem mencionadas em normas internacionais, não lhes confere personalidade no Direito Internacional. As normas continuam tendo como destinatários, os Estados, com um conteúdo de agirem contra aquelas pessoas (obrigações de conduta) ou regularem, nos respectivos ordenamentos jurídicos internos (obrigações de resultado) as atividades das pessoas nomeadas na norma internacional. Não vemos porque tal fato teria o condão de configurar uma personalidade internacional àquelas pessoas mencionadas nas normas internacionais!
Por outro lado, as restrições ao exercício dos poderes das pessoas, ou seja, os limites a suas capacidades, não lhes diminui nem retira o “status” de pessoas de direito internacional. Um exame das citadas cinco categorias fundamentais, revela que, pela natureza mesma dos fenômenos, a pessoa humana, como entidade abstrata, nos tempos presentes, não tem quaisquer atributos para firmar tratados e convenções internacionais (1a categoria), nem para instituírem e serem membros plenos de organizações intergovernamentais (4a categoria), nem para representar-se a si mesma, por um direito próprio, perante Estados e organizações intergovernamentais (5a categoria, nomeadamente o direito de estabelecer relações diplomáticas com Estados e organizações intergovernamentais e relações consulares em territórios dos Estados).
Quanto a imputabilidade à pessoa humana de fatos ilícitos internacionais (2a categoria) e seu direito próprio a um acesso a contenciosos internacionais (3a categoria), é necessário rever o posicionamento tradicional, à vista da extraordinária emergência de normas de proteção à pessoa humana, a partir da instituição do sistema da ONU e do fortalecimento das mesmas em nível regional, em particular, no sistema normativo que se formou a partir da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 04 de novembro de 1950.
A nosso ver, na atualidade, as culminâncias no sentido de reconhecer-se personalidade à pessoa humana, são demonstradas por dois fatos, que confirmam a relatividade das 2a e 3a categorias de faculdades conferidas às pessoas, tradicionalmente reservadas aos Estados. Em primeiro lugar, a “instituição de um Tribunal Penal Internacional (Tratado de Roma de 17 de julho de 1998), de natureza permanente e jurisdição internacional, competente para conhecer e julgar os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão: nos dias correntes, à espera da entrada em vigor do tratado que o instituiu, o Tribunal será sediado na Haia, e terá uma jurisdição automática, ou seja, independentemente de qualquer aceitação “ad hoc” por parte dos Estados que dele farão parte, conquanto a matéria de sua competência esteja restrita aos crimes catalogados na Convenção de Roma, e não para qualquer outra violação de direitos humanos”[30].
Em segundo, a abertura da jurisdição de um tribunal internacional regional, antes unicamente aberto a reclamações de Estados contra Estados ou de um organismo diplomático, a Comissão Européia de Direitos Humanos, contra Estados, à pessoa humana, por direito próprio, sem necessidade de seus direitos serem assumidos por um Estado (através do instituto da proteção diplomática) ou pela referida Comissão; trata-se de um Protocolo firmado em 1994 (Protocolo 11) entre os Estados Partes da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 04 de novembro de 1950, o qual foi reforçado com a entrada em vigor do Acordo Europeu Relativo a Pessoas que participam nos Procedimentos da Corte Européia dos Direitos Humanos, firmado em Estrasburgo a 05 de maio de 1997, o qual suprimiu a Comissão Européia dos Direitos Humanos e deu legitimidade ativa à pessoa humana, em litígios judiciários contra os Estados (os das respectivas nacionalidades ou quaisquer outros, desde que, evidentemente, Parte naquele Tratado de Roma), por violações aos direitos humanos definidos na Convenção Européia de 1950 e suas modificações posteriores.
Por outro lado, conforme será examinado no Cap. 15 (em especial no Seção 15.1) da presente obra, há normas precisas em tratados e convenções multilaterais, de natureza universal, que concedem pleno direito a indivíduos ou entidades privadas de poderem acionar mecanismos de reclamações apresentadas a entidades internacionais, diretamente contra Estados, sejam da própria nacionalidade, sejam quaisquer outros, desde que violados os direitos humanos protegidos pelas normas internacionais.
Destaque-se o caso do Protocolo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, firmado a 16/12/1966, firmado no mesmo dia que o Pacto (sendo o Brasil parte do Pacto, que se encontra promulgado no país, pelo Decreto no 592 de 16/12/1992, mas não do Protocolo), em que o recebimento das reclamações de particulares contra Estados, exigem as condições do esgotamento prévio pela vítima dos recursos disponíveis nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados reclamados (na hipóteses de serem os mesmo existentes e disponíveis), a inexistência de procedimentos paralelos e semelhantes em outras instâncias internacionais e, enfim, a posterioridade da violação dos direitos humanos, quanto à vigência internacional do Protocolo, em relação ao Estado reclamado.
Semelhantes procedimentos encontram-se instituídos em dois instrumentos internacionais dos quais o Brasil é parte: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 (promulgado pelo Decreto no 65.810 de 08/12/1969), no seu art. 14, e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984 (promulgada pelo Decreto no 40 de 15/02/1991), no seu art. 22.
Portanto, a nosso ver, na atualidade, é indiscutível haver uma clara atribuição da personalidade de direito internacional à pessoa humana, com as restrições factuais e os condicionamentos legais que a norma internacional pode estabelecer (como, de fato estabelece, para qualquer outra pessoa de Direito Internacional, que não seja um Estado, reconhecido como tal por este Direito, inclusive as organizações intergovernamentais constituídas pelos Estados).
۩. Situações particulares
A teoria clássica colocava a pessoa humana, como uma situação particular, no sistema tradicional da atribuição da personalidade de Direito Internacional, que conforme vimos, hoje não mais apresenta problemas. Igualmente, aquela corrente que negava personalidade à pessoa humana, para manter sua coerência lógica, considerava a situação das pessoas privadas expressamente nomeadas em normas internacionais, que denominamos “tão díspares e contraditórias no referente ao valor de sua atuação” como os piratas e corsários e os comandantes de navios e aeronaves, como situações particulares.
Partindo-se de outra concepção, que nega personalidade a tais pessoas, pelo simples fato de estarem mencionadas nas normas internacionais, podemos, no entanto, desvendar situações particulares, em que a atribuição da personalidade pode ser feita, ainda que faltem elementos tradicionais e mais comuns nos fenômenos aos quais o “status” é atribuído.
A situação mais antiga é o do reconhecimento do “status” de beligerante, em que terceiros Estados reconhecem a insurgentes numa guerra civil (indivíduo, partes da população ou das forças armadas), a partir da qual certos direitos (em especial na guerra marítima) podem ser reconhecidos e legitimar atos que seriam, caso contrário, proibidos pelo Direito Internacional. A doutrina buscou delinear suas condições, como o controle efetivo do território e um comportamento similar a de um governo legítimo, mas o instituto, sobretudo no Séc. XIX, sempre guardou seu caráter de ato discricionário por parte do Estado que outorgava seu reconhecimento. A partir do final da Primeira Guerra Mundial, o instituto perdeu sua atualidade, o que foi acentuado após a instituição do sistema das Nações Unidas, em que se reforçaram os princípios de não ingerência dos Estados nos negócios internos de outros Estados, sobretudo à vista dos problemas suscitados por um reconhecimento prematuro de beligerância. Por outro lado, o desenvolvimento de um Direito Humanitário, que se estende a qualquer tipo de conflito, retiraria do “status” de beligerância sua função de dar aos insurgentes alguns privilégios.
Outra situação histórica em que se pode dizer de atribuição de determinados atributos da personalidade no Direito Internacional, é a do reconhecimento de Governos no exílio. Houve duas situações no Séc. XX: em 1917, o estabelecimento em Paris, com o consentimento do Governo francês, de um Conselho Checo e de um Comitê Polonês, tão logo os territórios daqueles países foram anexados por outros Estados e, durante a Segunda Guerra Mundial, igualmente reconheceu-se a um Comitê Nacional da Checoslováquia o “status” de Governo no exílio, o que lhe legitimaria constituir um exercito autônomo, dentro das forças aliadas. Contudo o caso mais famoso foi o reconhecimento feito pelo Governo britânico, em 1940, do General de Gaulle, então refugiado em Londres, como “o chefe de todos os franceses livres” (recorde-se que a França se encontrava sob ocupação militar do III Reich, e seu governo, sediado na cidade de Vichy, conduzido pelo General Pétain); de tal reconhecimento, resultaria que os atos praticados pelo General de Gaulle, que na verdade, não detinha o real poder em território de França, contudo, legitimaria sua voz e vontade como a do verdadeiro povo francês.
Não vemos problema na atribuição de personalidade de Direito Internacional à Santa Sé, que para ser um verdadeiro Estado, somente lhe falta uma nação, (e portanto, inexistem nacionais do Vaticano ou da Santa Sé[31]), posto que possui ela um território (a Estado do Vaticano, igualmente sua Capital, encravada em Roma) e um Governo autônomo e soberano (chefiado pelo Sumo Pontífice, Sua Santidade o Papa, por sinal, o único monarca eleito da atualidade). Sua personalidade é reconhecida pela quase unanimidade dos Estados da atualidade, de maioria de católicos e não católicos, como o Estado de Israel, e portanto, tem a Santa Sé o poder de firmar tratados internacionais (denominados “concordatas”), de enviar representantes diplomáticos (não porém consulares), denominados “Núncios Apostólicos”, tanto frente a Estados como a organizações intergovernamentais, além de ter um “locus standi” nos procedimentos de soluções pacíficas de litígios (destacando-se a atuação do Papa como árbitro, conciliador e mediador de conflitos entre Estados), em especial, de ser parte nos procedimentos perante tribunais internacionais, nos polos ativo e passivo.
Alguns autores italianos e o próprio Governo italiano, consideram a Ordem Soberana e Militar de Malta como uma pessoa de direito internacional. Na verdade, a Ordem Soberana e Militar de São João de Jerusalém, seu nome oficial, é uma instituição benemerente, de inegáveis méritos, atualmente com sede em Roma, e que mantém embaixadas e estabelecimentos benemerentes como hospitais, creches e escolas, em alguns países da Europa e do Continente americano (inclusive no Brasil, com uma Embaixada em Brasília). Foi fundada no Séc. XI, na forma de um hospital, destinado a socorrer os peregrinos cristãos pobres que se encaminhavam a Jerusalém, em visita aos Lugares Santos; durante a Primeira Cruzada, transformou-se em ordem militar e religiosa e passou a viver de donativos. Após várias mudanças de sede, hoje encontra-se sediada em Roma, sob estrita obediência ao Papa, que influi na escolha de seu Grão Mestre e até na sua organização interna.
Situação particular representou a questão da República da China, na Ilha de Taiwan (Formosa), governada por autoridades resultantes do Governo nacionalista de Tchan Kai Tchek, general comandante dos exércitos da China, que tinham sido expulsos pelas tropas de seu cunhado, o General Mao Tsé Tung, o qual, passaria a efetivamente controlar o território continental chinês, após a tomada do poder pelo partido comunista, que batizaria o país de República Popular de China. As polaridades da Guerra Fria, em particular a frontal oposição dos EUA à admissão da R.P. da China na ONU (tendo em vista que ela seria um membro permanente do Conselho de Segurança), fez com que se configurasse a situação totalmente irrealista de ser a China de Formosa, o único representante daquele imenso país (levando-se em conta que unicamente o Reino Unido, em 1950 tinha reconhecido o Governo de Mao Tsé Tung, e alguns países da América Central). Até 10 de janeiro de 1979, data do estabelecimento de relações diplomáticas entre Pequim e Washington, e, em outubro aquele ano, com a R.P. da China sendo admitida como membro pleno da ONU, tal situação irrealista foi revertida, tendo a República de Taiwan sido descreditada naquela organização cimeira. Situação similar ocorreria com as duas Alemanhas, a República Federal, com a capital federal em Bonn e a República Democrática, sediada em Berlim Oriental, após a divisão do país (situação de fato, ocorrida após a capitulação do III Reich em 07 de maio de 1945), porém com as variantes de serem as duas, membros plenos da ONU e manterem relações diplomáticas separadas na quase totalidade dos países (inclusive, com duas missões diplomáticas acreditadas em Moscou, então URSS), até a reunificação, pelo Tratado de 31 de agosto de 1990[32], dito Tratado 4+2 (de um lado, EUA, França, Reino Unido e URSS e de outro as duas Alemanhas), que fundiu a RDA na RFA, com a denominação de Alemanha, e com a Capital em Berlim, cidade igualmente unificada e sem o seu vexatório “Muro”.
No que se refere à personalidade jurídica frente ao Direito Internacional dos movimentos de libertação nacional, deve ser dito que se trata de uma questão relativamente recente, que emergiu no quadro da diplomacia multilateral instaurada com o sistema das Nações Unidas. Na verdade, deve levar-se em conta, na atualidade, o importante papel político da sua Assembléia Geral, quanto aos efeitos da admissão de novos Estados como membros plenos, e suas conseqüências em relação às relações internacionais, podendo dizer-se que uma decisão da ONU, nos dias atuais, implica num reconhecimento formal da existência de um Estado independente. Por outro lado, a consagração formal do princípio da auto determinação dos povos, na Carta da ONU (art. 1o § 2o ), tem sido reafirmado em várias resoluções de sua Assembléia Geral, para casos particulares (com destaque, a Resolução XXVII-B de dezembro de 1969, relativa aos direitos inalienáveis do povo da Palestina), foro este onde, aos poucos, o conceito “povos” foi sendo corporificado na presença autorizada de movimentos representativos, os denominados “movimentos de libertação nacional”. Fatos importantes a observar, foi a legitimidade conferida perante a ONU, aos movimentos de libertação das antigas colônias portuguesas (Res. 2928/XXVII de 1072), da Rodésia e da Namíbia, os quais foram, sem dúvida, atos precursores do reconhecimento da independência dos novos países africanos, após manifestações formais de organizações intergovernamentais regionais (no caso, a Organização da Unidade Africana), verificados em épocas posteriores e, independência essa, enfim, sacramentada pela admissão deles na ONU, como membros plenos.
No caso da Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, seu reconhecimento pela AG da ONU como o representante do povo palestino, tem produzido importantes efeitos jurídicos: a) a afirmação de seu “status” como representante legitimo daquele povo, perante quaisquer órgãos da ONU, bem como das organizações intergovernamentais do sistema da ONU, na qualidade de “observadores”, com direito a voz (e não a voto), em quaisquer sessões nas quais se discutam questões relativas aos territórios daquela região do Oriente Médio; b) em outros foros diplomáticos da diplomacia multilateral, sua participação como observadores, a ex.: a participação das longas negociações diplomáticas que resultaram na adoção da Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar; c) recomendações da AG da ONU, no sentido de dar aos combatentes em nome da OLP, as garantias e proteções conferidas pelo Direito da Guerra.
Enfim, deve ser dito que o reconhecimento por terceiros Estados de um movimento de libertação nacional, mesmo implícito, como o entabulamento de negociações oficiais, outorga-lhes uma personalidade de Direito Internacional, pelo menos no que respeita às relações bilaterais. Tal foi o caso dos acordos entre o Governo português e os vários movimentos de libertação nacional oriundos de suas antigas colônias[33], bem como o reconhecimento outorgado pela Liga Árabe e pelos Estados árabes da OLP. Sem dúvida, o reconhecimento bilateral da personalidade jurídica de tais entidades, trará conseqüências jurídicas nas relações bilaterais, e é um relevante fator de natureza política, que indica, ao nível internacional geral, uma possibilidade de reconhecimento da mesma.” Referência:
PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL
“São sujeitos de DI os Estados soberanos (aos quais tradicionalmente se acrescenta a Santa Sé) e as organizações internacionais (inter-governamentais), o que equivale a dizer que somente estes podem adquirir direitos e contrair
obrigações no plano internacional. Alguns estudiosos afirmam que o indivíduo também seria modernamente um sujeito de DI, ao argumento de que diversas normas internacionais criam direitos e deveres para as pessoas naturais.
O sujeito de direito internacional consiste em uma entidade com capacidade para possuir direitos e deveres internacionais e com capacidade para defender seus direitos através de reclamações internacionais. Assim pode-se
afirmar que a entidade reconhecida pelo direito internacional como tendo tais capacidades é uma pessoa jurídica de direito internacional. Concretamente a personalidade jurídica internacional manifesta-se na capacidade para a
apresentação de reclamações sobre violações ao DI, na capacidade para celebrar tratados e acordos validos no plano internacional, no gozo de privilégios e imunidades concedidos por jurisdições nacionais, alem da possibilidade de
participar de organismos internacionais. Nessas condições não restam duvidas de que o sujeito de DI por excelência é o Estado, mas também as organizações internacionais enquanto associações de Estados, e os indivíduos, principalmente em função da proteção crescente que recebem no plano internacional.
Os autores reconhecem, ainda, como tendo personalidade jurídica de DI a Santa Sé – reunião da Cúria Romana como o Papa, com sede no Vaticano, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha - coletividade não estatal, submetida ao
direito interno suíço, mas que goza de status jurídico internacional, e, desde que devidamente reconhecidos no plano internacional por outros sujeitos de DI, o beligerantes – ligados a revolução de grande envergadura, nas quais os revoltosos formam tropas regulares e controlam parte definida do território, os insurgentes – nomenclatura atribuída a revoltosos cuja luta armada não assume a proporção de uma guerra civil e os movimentos de libertação nacional – grupos organizados em busca de independência política e formação de um estado.
Ressalte-se, contudo, que a doutrina reconhece em sua maioria a capacidade plena dos Estados e das Organizações Internacionais. Para os demais: a personalidade de DI também é reconhecida, com a ressalva de que, por vezes o exercício de alguns dos atributos da personalidade são minorados. É o caso dos indivíduos que ainda possuem acesso restrito à Corte Internacional. Por fim, resta mencionar que o DI resiste em reconhecer personalidade jurídica às empresas multinacionais e a algumas Organizações Não Governamentais, em que pese atuarem no cenário internacional.
Estados
Os Estados soberanos são os principais sujeitos de DI, tanto do ponto de vista histórico quanto do funcional, já que é por sua iniciativa que surgem outros sujeitos de DI, como as organizações internacionais. Por essa razão a
personalidade jurídica dos Estados diz-se originária e a das organizações seria a derivada. O Estado é uma realidade física, um espaço territorial sobre o qual vive uma comunidade de seres humanos.
A organização internacional é produto exclusivo de uma elaboração jurídica resultante da vontade conjugada de certo numero de Estados. A ciência política, de acordo com Jellinek, aponta três elementos indispensáveis à existência do Estado e, em conseqüência, à sua personalidade internacional, a saber: (Convenção de Montevideo de 26/12/1933)
população; (massa humana)
território; e (base física)
governo. (governo independente)
Governo independente – governo não subordinado a qualquer autoridade exterior.
Ademais dos elementos constitutivos mencionados acima, o Estado, para ser pessoa internacional, deve possuir soberania, isto é, o direito exclusivo de exercer a autoridade política suprema sobre o seu território e a sua população.
Sendo assim, pode-se dizer que o Estado possui quatro elementos constitutivos:
população permanente;
território determinado
governo;
soberania.
Alguns doutrinadores como Dalmo de Abreu Dallari afirmam existir um quinto elemento constitutivo do Estado que é a finalidade.
Massa humana - POPULAÇAO - é o conjunto de indivíduos que circulam sobre a base física de forma permanente subordinando-se ao governo independente. Envolve tantos os nacionais quanto os estrangeiros
Qualificada – os que são nacionais do Estado
Desqualificada – não tem vinculo de nacionalidade com o mesmo
Estado, o que não quer dizer que vivam na marginalidade , privados dos direitos inerentes a condição humana, mas os direitos de participação política, principalmente, são atribuídos aqueles que demonstram interesse em celebrar
vínculos de nacionalidade.
Atualmente a grande maioria dos Estados assume posição de maior benevolência em relação ao indivíduo que abandona seu local de origem em busca de novas oportunidades econômicas, religiosas ou ideológicas.
Torna-se mais fácil a admissão, permanência e incorporação desse indivíduo ao rol dos nacionais normalmente por intermédio da concessão de anistias que permitam regular sua situação de irregularidade.
TERRITORIO
Área terrestre do Estado, somado aos espaços hídricos de topografia puramente interna, como só rios, lagos que encontram-se no interior de seus limites. Sobre o seu território o Estado soberano tem jurisdição geral e exclusiva,
exerce todas as competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional, sem concorrência de qualquer outra soberania.
Sobre seu território o Estado exerce jurisdição, o que vale dizer que detém uma série de competências para atuar com autoridade.
Reconhecimento de Estado e de governo
O reconhecimento de Estado é um ato unilateral, expresso ou tácito, pelo qual um Estado constata a existência de um outro Estado na ordem internacional, dotado de soberania, de personalidade jurídica internacional e dos
demais elementos constitutivos do Estado. O reconhecimento é indispensável para que o novo Estado se relacione com seus pares na comunidade internacional.
Em geral, o DI exige o cumprimento de três requisitos para que um Estado seja reconhecido por outros:
que seu governo seja independente, inclusive no que respeita à condução da política externa;
que o governo controle efetivamente o seu território e população e cumpra as suas obrigações internacionais; e
que possua um território delimitado.
Os juristas debatem a natureza jurídica do reconhecimento de Estado.
Alguns pensam que se trata de um ato constitutivo - a personalidade internacional do Estado surgiria a partir do reconhecimento - e outros, de um ato declaratório apenas - o Estado seria preexistente ao reconhecimento, que é simplesmente uma constatação de sua existência. A prática e grande parte dos juristas são favoráveis à teoria declaratória.
O reconhecimento de Estado é retroativo, incondicional e irrevogável, mesmo em face do rompimento de relações diplomáticas.
Já o reconhecimento de governo por outros Estados ocorre sempre que um novo governo (isto é, um novo grupo político) assume o poder em um Estado com a violação de seu sistema constitucional. É uma maneira pela qual os demais Estados declaram qual o governo do país em questão, em especial quando há revoluções que tornam o quadro político confuso, e pressionam o novo governo a cumprir com as obrigações internacionais assumidas pelo governo anterior em nome do seu Estado. Não é ato obrigatório para os demais Estados.
São pré-requisitos para que um novo governo seja reconhecido:
efetividade, isto é, controle da máquina do Estado e obediência civil;
cumprimento das obrigações internacionais do Estado;
surgimento do novo governo conforme as regras do DI:
forma de impedir o reconhecimento imposto por intervenção estrangeira.
Os efeitos do reconhecimento de governo são os seguintes:
estabelecimento de relações diplomáticas: embora um Estado possa reconhecer o governo de outro mas romper relações diplomáticas, estas tendem a seguir-se ao reconhecimento;
imunidade de jurisdição do novo governo perante outros Estados;
legitimidade para ser parte em tribunal estrangeiro; e
admissão, pelo Estado que reconhece, da validade dos atos do novo governo.” Referência:
Organizações Internacionais
ONU: organismos intergovernamentais, ou programas são:
OIT – Organização Internacional do Trabalho
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
OMS – Organização Mundial de Saúde
Grupo do Banco Mundial (BIRD, Banco Internacional de Desenvolvimento)
IDA – Associação de Desenvolvimento
CFI – Corporação Financeira Internacional
AGMF – Agência de Garantia Multilateral de Financiamento
CIRDF – Agência Internacional para a Resolução de Disputas Financeiras (CIRDF)
FMI – Fundo Monetário Internacional
ICAO – Organização da Aviação Civil Internacional
UPU – União Postal Universal
ITU – União Internacional de Telecomunicações
OMM – Organização Meteorológica Mundial
IMO – Organização Marítima Internacional
OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual
FIDA – Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
UNIDO – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
OMT – Organização Mundial do Turismo
AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica
OMC – Organização Mundial do Comércio
OPAQ – Organização para a Proibição de Armas Químicas
CTBTO – Organização Preparatória para o Tratado de Proibição de Testes Nucleares
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
PMA – Programa Mundial de Alimentos
CIJ - Corte Internacional de Justiça,
OEA- Organização dos Estados Americanos
Mercosul
União Européia
ONGs.
Alguns programas são criados especificamente para determinadas regiões, como por exemplo:
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas
UN-Habitat – Programa das Nações Unidas para Assentamentos Urbanos
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para Mulher
UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids
UNODC – Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime
UNRWA – Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos
Além de todos estes organismos e programas especializados a ONU conta ainda com a Universidade das Nações Unidas (UNU), o ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e diversas outras instituições de pesquisa e treinamento.
Fontes:
http://www.unicrio.org.br
http://www.onu-brasil.org.br
“Definição
As Organizações Internacionais são associações de sujeitos de Direito Internacional, ou seja, constituídas por Estados. Decorrem do crescimento das relações internacionais e da cooperação necessária entre as nações. As organizações internacionais passaram a ter maior relevância a partir da criação da Liga das Nações.
Estas organizações têm como objetivo diversas questões, tais como: obtenção ou manutenção de paz, resolução de conflitos armados, desenvolvimento econômico e social etc.
Convém discriminar que os tipos de organizações dividem-se em:
Intergovernamentais (os objetivos podem ser específicos ou generalizados):
a) globais:
ONU (Organização das Nações Unidas) – objetivo generalizado;
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura) – objetivo específico, visa à cooperação.
b) regionais:
OEA – objetivo generalizado.
Não-governamentais:
Greenpeace - objetivo específico.
Organização das Nações Unidas (ONU)
Substituindo a Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas é uma das mais conhecidas e importantes organizações internacionais, visando à cooperação entre seus membros. Com a representação de quase 200 membros-estados, sua finalidade é generalizada, desta forma, compreende a discussão de diversas questões que abrangem as áreas da saúde, economia, segurança, entre outras.
Corte Internacional de Justiça
Decorrente da ONU, a Corte Internacional de Justiça, é o principal órgão judiciário da ONU. Está sediado em Haia, Países Baixos. As línguas oficiais são o inglês e o francês.
Ela é composta por 15 juízes, com mandato de 09 anos cada. Não pode ser incluído mais de um juiz da mesma nacionalidade. Funciona com o quorum mínimo de 09 juízes.
A Corte tem dupla função: a de estabelecer, conforme as leis internacionais, as disputas legais submetidas aos Estados e, a de dar assistência nas questões legais aos órgãos e agências internacionais devidamente autorizados que a consultarem.
É facultada à Corte julgar ex aequo et bono, ou seja, de acordo com a igualdade e o que é justo.
Sua competência abrange todo tipo de matéria, limitando-se a processar disputas legais entre Estados.
Como exemplos de disputas judiciais podemos citar a delimitação marítima no Mar Negro, entre Romênia e Ucrânia (2004); a disputa territorial e marítima entre Nicarágua e Colômbia (2001); as atividades armadas no território do Congo entre a República Democrática do Congo e Ruanda (1999-2001); o incidente aéreo de 10 de agosto de 1999 entre o Paquistão e Índia (1999-2000).
Organização dos Estados Americanos (OEA)
A Organização dos Estados Americanos é uma organização intergovernamental regional generalizada, com uma estrutura semelhante à ONU, também visando à cooperação entre seus membros. Fundada em 1948, conta atualmente com a participação de 35 Estados-membros, tem sua sede em Washington (D.C. - EUA). A organização era definida como um organismo regional compondo o todo da Organização das Nações Unidas. As línguas oficiais são o inglês, espanhol, português e o francês.
A principal finalidade da organização é garantir a segurança e a paz do continente americano. Sua finalidade compreende a defesa dos interesses e a busca de meios para o desenvolvimento econômico, social e cultural de seus membros.
Estrutura (órgãos principais):
Assembléia Geral: é o órgão supremo da OEA. Algumas de suas atribuições principais, além das conferidas pela "Carta", são:
a) decidir ações e políticas gerais;
b) estabelecer normas gerais relativas a atividades da Organização;
c) buscar a manutenção e melhoria da cooperação com a ONU;
d) gerar a colaboração com outras organizações internacionais que tenham objetivos em comum à OEA;
e) aprovar o orçamento da OEA;
f) aprovar seu regulamento, entre outros.
Conferências especializadas: realizam-se quando o determine a Assembléia-Geral ou a reunião de consultas dos ministros das relações exteriores, por iniciativa própria ou a pedido de alguns dos conselhos ou organismos especializados. As conferências especializadas tratam de assuntos técnicos especiais e do desenvolvimento de temas específicos de cooperação interamericana.
Comissão interamericana de Direitos Humanos (CIDH): é umas das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas, além de servir como órgão consultivo da Organização para estes assuntos.
Reunião de consulta dos ministros das relações exteriores (RMRE): é realizada com a finalidade de considerar problemas de caráter urgente e de interesse comum para os Estados americanos e para servir de órgão de consulta.
Conselho permanente da organização: o conselho permanente depende diretamente da Assembléia Geral. Sua competência é concedida pela "Carta" da OEA e por outros instrumentos interamericanos, além das funções atribuídas pela Assembléia Geral e pela reunião de consulta dos ministros das relações exteriores.
Tem como atividades:
1) Velar pela manutenção das relações de amizade entre os estados-membros;
2) Executar as decisões da Assembléia Geral ou da reunião de consulta dos ministros das relações exteriores cujo cumprimento não tenham sido encarregado a nenhuma outra entidade;
3) Zelar pela observância das normas que regulam o funcionamento da Secretaria-Geral e, quando a Assembléia Geral não está reunida, adota as disposições de natureza regulamentar que habilitem a Secretaria-Geral a cumprir suas funções administrativas;
4) Atuar como comissão preparatória;
5) Preparar, a pedido dos estados-membros, projetos para promover e facilitar a colaboração entre a OEA e a ONU e outros organismos americanos;
6) Formular recomendações à Assembléia Geral sobre o funcionamento da Organização e a coordenação de seus órgãos subsidiários, organismos e comissões;
7) Considerar os relatórios dos órgãos, organismos e entidades do Sistema Interamericano e apresentar à Assembléia Geral as observações e recomendações que julgar oportuno.
Conselho interamericano para desenvolvimento integral (CIDI): pode ser definido como corpo político, assim como um sistema para promover novas formas de cooperação. Como corpo político seu objetivo é promover o desenvolvimento integral nas Américas mediante a cooperação entre os demais países. Como sistema para promover novas formas de cooperação, por meio da CIDI, estados-membros apóiam atividades para fortalecer o diálogo diplomático hemisférico, para expandir a troca de conhecimento e experiência nas áreas de prioridade de desenvolvimento, e facilitar ação conjunta e complementar por e entre países e suas respectivas instituições, assim como a comunidade internacional.
Secretaria Geral: A Secretaria-Geral da OEA coloca em prática os programas e políticas estabelecidas pelos órgãos políticos.
Mercado Comum do sul (MERCOSUL)
Em 26 de março de 1991, mediante a assinatura do Tratado de Assunção pelos países da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, foi criado o Mercado Comum do Sul. Atualmente, além destes quatro países, a Venezuela passou a compor o grupo de estados- membros. O Mercosul conta ainda, com a Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru como estados associados, e com o México como estado observador. Os idiomas oficiais são o português, o castelhano e o guarani.
A formação do Mercosul teve como objetivo o desenvolvimento econômico dos países integrantes.
Prevista no Protocolo de Ouro Preto, a estrutura do Mercosul:
Conselho do Mercado Comum (CMC) : é o órgão superior, com capacidade decisória, e tem por função conduzir a política do processo de integração e a tomada de decisões, que são expressadas mediante consenso perante a presença de todos os estados-partes.
Grupo Mercado Comum (GMC): é o órgão executivo do Mercosul, com capacidade decisória, manifestando-se mediante resoluções.
Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): é o órgão encarregado de assistir o GMC, tem capacidade de decisão, manifesta-se por meio de diretrizes perante a presença de todos os estados-partes.
Comissão Parlamentar Conjunta (CPC): é o órgão de representação parlamentar dos estados-partes no âmbito do Mercosul, não tem poder de decisão, expressa-se mediante recomendações ao GMC.
Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) : é o órgão de função consultiva, não tem poder de decisão, representa os setores da economia e da sociedade, manifestando-se por meio de recomendações ao GMC.
Secretaria do Mercosul (SAM): é o órgão de apoio operacional, não tem poder de decisão, tem caráter permanente e, é dividida em três setores: setor de assessoria técnica, setor de normativa e documentação e setor de administração e apoio.
União Européia (UE)
Em 01 de novembro de 1993, o Tratado da União Européia (Tratado de Maastricht) entrou em vigor. Atualmente é composto por 27 membros, dos quais treze adotaram o euro como moeda oficial. Várias são as línguas oficiais, precisamente 23, tendo em vista a diversidade de idiomas relativos aos estados-membros aderentes.
Diferente de outras organizações internacionais como a ONU e a OEA, a União Européia não é apenas uma organização de cooperação entre governos já que demonstra a união de esforços entre os países para atingir objetivos em comum que, se separados, não obteriam. Por isso, é considerada organização supra nacional e não intergovernamental como as demais.
Sua estrutura institucional é basicamente constituída por três elementos (pilares): comunidades européias; política externa e de segurança comum; cooperação policial e judiciária em matéria penal.
As decisões da organização são tomadas pelo Parlamento Europeu, diretamente eleito, que representa os cidadãos da União Européia; Conselho da União Européia, que representa os estados-membros; Comissão Européia, que deve defender os interesses de toda União.
Outras duas instituições que cumprem importantes papéis na organização são o Tribunal de Justiça, que assegura o cumprimento da legislação européia e o Tribunal de Contas, que fiscaliza o financiamento das atividades da União.
Além das instituições, complementa a estrutura da União Européia os:
Órgãos consultivos:
a) Comitê Econômico e Social Europeu, que representa a sociedade civil, os empregadores e os trabalhadores; b) Comitê das Regiões, que representa as autoridades regionais e locais.
Órgãos Financeiros:
a) Banco Europeu de Investimento, que financia projetos de investimento da União Européia e ajuda pequenas empresas por intermédio do Fundo Europeu de Investimento; b) Banco Central Europeu, que é responsável pela política monetária européia; c) Fundo Europeu de Investimento, que presta apoio às pequenas empresas.
Órgãos Interinstitucionais:
a) Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, que publica informação sobre a União Européia; b) Serviço Europeu de Seleção do Pessoal das Comunidades Européias, que recruta pessoal para as instituições e os outros órgãos da União Européia;
c) Escola Européia de Administração, que oferece formação em áreas específicas aos funcionários das instituições da União Européia.
Órgãos especializados:
a) Provedor de Justiça Europeu, que investiga as queixas dos cidadãos sobre a má administração das instituições e órgãos da União Européia; b) Autoridade Européia para a Proteção de Dados, que salvaguarda a privacidade dos dados pessoais dos cidadãos.
Organismos descentralizados - agências: criadas com o objetivo de cumprir tarefas de teor técnico, científico ou de gestão:
a) Agências comunitárias, que são organismos de direito público europeu (diferente de instituições comunitárias, por exemplo, Conselho, Parlamento, Comissão etc.), e que dispõem de personalidade jurídica própria. São criadas por um ato de direito derivado e representam o primeiro elemento (pilar) da União Européia.
b) Agências de política externa e de segurança comum, que são agências criadas com o objetivo de desempenhar tarefas muito concretas no quadro da política externa e de segurança comum (PESC), sejam elas de caráter técnico, científico ou de gestão, representando o segundo pilar da União Européia.
c) Agências de cooperação policial e judiciária em matéria penal, que são agências criadas para colaborar com o combate à criminalidade organizada internacional.
d) Agências executivas, que são organismos criados por um determinado período de tempo, para realizar determinadas tarefas no rol de gestão de programas comunitários. Devem localizar-se na sede da Comissão Européia.
Organizações não-governamentais (ONGs)
São associações de direito privado, em que as atividades são relacionadas às questões de interesse público. Têm como objetivo específico desenvolver ações em promoção ou defesa de valores e interesses relativos à moralidade, religião, ideologia ou cultura. As ONGs não são obrigatoriamente organizações internacionais, inicialmente sendo organizadas em âmbito nacional.
O modo de atuação das ONGs depende da natureza de suas ações, em razão disso, elas não têm uma estrutura específica, dado a sua grande diversidade, além da enorme variedade temática.
As ONGs classificam-se como: ONGs de concertação e ONGs de intervenção.
ONGs de Concertação: são caracterizadas pela contínua e permanente procura por posições comuns entre os parceiros.
Exemplos: partidos políticos (ex.: Partido Liberal); organizações esportivas (ex.: FIFA); cooperação entre sindicatos (ex.: FSM - Federação Sindical Mundial).
ONGs de Intervenção: são caracterizadas pela necessidade de resolução de desafios concretos e imediatos.
Exemplos: organização atuante em questões ambientais (ex.: Greenpeace); organização atuante em questões relativas à pobreza (ex.: Care); organização atuante em questões relativas à proteção e promoção de direitos humanos (ex.: OMCT - Organização Mundial Contra Tortura).
Bibliografia
ACCIOLY, Hildebrando e SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 15ª edição, Editora Saraiva - 2002.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 10° edição, inteiramente revista e atualizada. Editora Saraiva, 2°tiragem - 2006.
SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. Editora Livraria do Advogado - 1997.
Prof. João Grandino Rodas”
۩. Organizações Internacionais
As Organizações Internacionais nada mais são que tratados internacionais multilaterais que se prolongaram no tempo, com a criação de órgãos que trabalham no sentido de perpetuação desses tratados. São organismos e não Estados.
O Direito Internacional é composto pelo Direito Internacional Privado, pelo Direito Internacional Público e pelo Direito do Comércio Internacional. Este último é composto por três fontes distintas: direito interno dos Estados, regras oriundas de tratados internacionais, regras oriundas das Organizações Privadas (organizações tradicionais que dominam certos ramos de atividade).
Muitas vezes um contrato internacional é cindido em várias partes, cada qual regida por uma das fontes citadas acima. De uma forma geral, é um contrato sem lei, regido pelas normas oriundas das organizações privadas.
۩. Teoria Geral das Organizações Internacionais
As Organizações Internacionais surgiram dos tratados que se prolongaram no tempo, institucionalizando-se e materializando-se. Um tratado internacional é um acordo de vontades internacionais.
As Organizações Internacionais são sujeitos derivados de Direito Internacional Público (os Estados são originários). Foram criados pelos Estados, mas passaram a ter vida própria; isto é, passaram a ter manifestação de vontade própria.
Os tratados, em sua origem na Idade Média, nasceram como tratados de Direito Civil. Eram contratos formados entre, por exemplo, dois senhores feudais. Estes davam uma espécie de procuração plenipotenciária a quem fosse assinar um tratado. Inicialmente com a assinatura o procurador plenipotenciário vinculava-se pelo tratado disposto. Mais tarde, passou a haver uma cláusula de ratificação; ou seja, o plenipotenciário assinava o tratado, mas tinha que trazê-lo ao senhor feudal para ratificação (ratificar = fazer de novo). Assim, os tratados passaram a se diferenciar de simples contratos.
Com a separação de poderes, o Chefe de Estado perdeu poderes; porém manteve o poder de representar o Estado no exterior, o que implica na iniciativa de assinar tratados. Ao ser assinado, o tratado está concluído, porém não está em vigor. Isto irá depender, no caso brasileiro, da tramitação nas duas Casas Legislativas e, sendo aprovado, poderá ser ratificado pelo Executivo, o que não é obrigatório. Esses tratados, com aprovação parlamentar, são chamados de Tratados em Forma Devida. Há, no entanto, Tratados em Forma Simplificada (“executive agreement”) que não dependem de aprovação do Legislativo. Esse segundo tipo é proibido no Brasil, podendo ser válido se for baseado em tratados solenes anteriores.
O tratado internacional é um acordo de vontades entre pessoas dotadas de “ius tratum” ou “trat making power”, que é o poder de tratar, de concluir tratados. Essas pessoas são os Estados, as Organizações Internacionais, a Santa Sé. Os tratados são regidos pelo Direito Internacional Público (se for outro direito não será um tratado, mas sim um contrato internacional). Apesar de serem regidos pelo Direito Internacional Público, podem conter matérias pertinentes ao outros ramos do Direito Internacional.
As Organizações Internacionais são criadas por Tratados Internacionais, também chamados de tratados constitucionais, difíceis de serem alterados.
۩. Organizações Internacionais - Definição
Paul Reuter estabeleceu uma definição para as Organizações Internacionais Intergovernamentais: é um conjunto de Estados que possuem órgãos próprios que podem exprimir vontade jurídica distinta da dos Estados.
Uma definição válida seria: “Organizações Internacionais são um conjunto de Estados possuidores de órgãos próprios, capazes de exprimir vontade jurídica distinta da de seus membros”.
a) Conjunto de Estados - organizações criadas pelos Estados, que começam a surgir a partir do século XIX; contudo, sua forma acabada somente apareceria após a criação da Liga das Nações, após o Tratado de Versalhes. Nascem a partir dos tratados internacionais.
b) Possuidor de Órgãos Próprios - têm estrutura política, administrativa e financeira independente e autônoma frente ao conjunto de seus membros.
c) Capaz de Exprimir Vontade Jurídica - essa vontade se exprime através de diversas formas peculiares a cada uma dessas organizações: convenções internacionais, tratados, resoluções etc.
d) Vontade Distinta da de Seus Membros - a não aprovação de uma resolução por um dos Estados-Membros não implica na não implementação desta. Não há a necessidade da unanimidade.
۩. Organizações Internacionais - Classificação
Há trinta anos as Organizações Internacionais seriam classificadas como:
a) Organizações Internacionais Intergovernamentais - criadas a partir de tratados entre Estados, com vida independente destes, de quem recebem parcelas de poder e de competência.
b) Organizações Internacionais Privadas - entidades independes dos Estados (Cruz Vermelha, e FIFA, por exemplo). Não têm capacidade jurídica frente aos Estados.
Hoje a essa classificação devem, ser agregadas as:
c) Organizações Não-Governamentais - entidades semelhantes às Organizações Internacionais Privadas, mas muito mais difusas. Hoje, estas organizações mantêm estreita relação de interação, colaboração ou bloqueio.
Outra forma de classificá-las seria segundo o âmbito dessas Organizações Internacionais; isto é, segundo o espaço geográfico de sua atuação:
a) De Vocação Universal - são organizações cujas determinações são válidas e aceitas por todos os Estados, respondendo a anseios de solidariedade entre eles (ONU, por exemplo).
b) De Vocação Regional - são as Organizações Internacionais cujas determinações são válidas e aceitas apenas pelo conjunto de Estados de uma região do Globo (OEA).
Segundo o objeto:
a) Político ou Geral - organizações que têm todas as competências internacionais; têm capacidade para encaminhar qualquer tipo de discussão, independente do tema (ONU). A discussão de questões internas aos Estados é restrita, chegando mesmo a ser proibida, como é o caso da Carta da ONU. Uma exceção a isto é quanto aos Direitos Humanos; é um consenso que esse assunto deve ser sempre discutido, por ser de interesse mundial.
b) Especializadas - organizações cujo objeto está restrito a alguns temas (OIT).
Segundo seu poder ([1]):
a) “Policy-Making” - organizações que apenas formulam uma política, cujo cumprimento depende da vontade dos Estados. Em geral estas organizações elaboram estudos e trabalhos sobre temas específicos, oferecendo a seus membros, que não têm qualquer obrigação em adotá-las.
b) Reguladores - organizações que formulam uma determinada política e têm certa dose de poder para verificar o cumprimento destas (BID, FMI). A pesar de enquadrarem-se nesta categoria, quase todas as organizações reguladoras também assumem as vezes um papel de “policy-making”.
c) Supranacionais - aprovam uma regram e têm poder de impô-la, até mesmo a “manu militari” (União Européia). Estas organizações começaram a se estruturar após a Segunda Guerra Mundial. As primeiras desse tipo foram a Organização Européia do Carvão e do Aço, a Organização Européia de Energia Atômica e a Organização de Livre-Comércio Europeu. Essas entidades acabaram por assumir competências específicas, que foram sendo retiradas gradativamente da esfera de poder de seus Estados membros, reduzindo a soberania destes.
۩. Organização das Nações Unidas
A carta da Organização das Nações unidas foi aprovada em 26 de junho de 1945. Foi aprovada pelo Poder Legislativo Brasileiro pelo Decreto-Lei 7.935, de 4 de setembro de 1945. Promulgada pelo Poder Executivo pelo Decreto 19.841, de 22 de outubro de 1945. Ratificada ([2]) em 12 de setembro de 1945. A ratificação foi depositada ([3]) em 21 de setembro de 1945.
O Preâmbulo da Carta da ONU não tem força legal; servindo apenas como um elemento de interpretação dos artigos que se seguem. A idéia de Nações Unidas nasceu ainda durante a Segunda Guerra Mundial. A perspectiva da paz é o elemento que norteia o documento. Apesar disso, a força bélica não é descartada.
۩. Propósitos e Princípios
O objetivo primordial da ONU é, segundo o Artigo 1, “manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz”.
O princípio da autodeterminação dos povos, expresso no Artigo 1, inciso 2, foi apresentado pela primeira vem em um documento internacional. Esse princípio deu ensejo a uma série de reivindicações de independência por parte das colônias africanas e asiáticas.
O Artigo 2, inciso 1, determina que a ONU é baseada no princípio da igualdade de todos os seus membros. Já o inciso 7 proíbe às Nações Unidas intervir em assuntos internos de qualquer Estado; contudo, isso nunca proibiu que a ONU interviesse em questões ligadas aos direitos humanos. Além disso, a carta determina que o monopólio da força armada internacional deve pertencer à Organização, autorizada pelo seu Conselho de Segurança.
۩. Membros
Segundo o Artigo 3, são os membros originais das Nações Unidas os Estados que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, nos EUA, ou que assinaram previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1º de janeiro de 1942.
Além disso, o Artigo 4 determina que a admissão como Membro das Nações Unidas é aberta a todos os Estados amantes da paz (termo importante para o momento histórico de seu surgimento), que aceitarem as obrigações contidas na Carta. Ainda segundo documento, a admissão de um Estado deve ser efetuada com recomendação do Conselho de Segurança. Este poderá suspender a participação de um Estado, inclusive expulsá-lo, caso viole sistematicamente os princípios do documento.
۩. Órgãos
A carta estabelece como principais das Nações Unidas:
a) Assembléia Geral;
b) Conselho de Segurança;
c) Conselho Econômico e Social;
d) Conselho de Tutela;
e) Corte Internacional de Justiça;
f) Secretariado.
Além disso, propõe a criação de órgãos subsidiários conforme a necessidade.
Como fato curioso, o Artigo 8 faz um discurso de igualdade entre os sexos, algo pouco comum em 1945: “As Nações Unidas não farão restrições quanto à elegibilidade de homens e mulheres destinados a participar em qualquer caráter e em condições de igualdade em seus órgãos principais e subsidiários”.
۩. Assembléia Geral
Todos os Estados-Membros fazem parte da Assembléia Geral. Esta pode discutir qualquer questão e assunto que diga respeito à ONU e que esteja contemplado em sua carta. A exceção é os assunto que estiverem sendo discutidos pelo Conselho de Segurança. De acordo com o Artigo 12, inciso 1, enquanto o Conselho de Segurança estiver discutindo qualquer controvérsia, Assembléia Geral não fará nenhuma recomendação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite (princípio da primaciedade).
A Assembléia Geral pode atuar no sentido da manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive no que diga respeito ao desarmamento e a regulamentação dos armamentos. Pode discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais. Contudo, qualquer destas questões que exijam uma ação, deverá ser submetida ao Conselho de Segurança.
Também é função da Assembléia Geral estudos e recomendações, destinados a promover cooperação internacional e promover que os costumes internacionais venham a se tornar tratados internacionais (desenvolvimento progressivo do direito internacional).
۩. Organização Internacional do Comércio
۩. GATT
O GATT é um conjunto de acordos sobre tarifas e comércio internacional, visando a construção de uma entidade mundial de comércio de bens materiais. Não existia uma uniformidade entre os países onde cada um escolhia que acordo queria assinar.
Esse modelo, criado em 1945, começou a mudas apenas durante a Rodada de Tóquio (1982/1986), que propôs a inclusão de produtos agrícolas e serviços na pauta de discussão, além dos originais produtos industrializados, Essa discussão foi concluída na Rodada do Uruguai, que extinguiu o GATT, criando em seu lugar uma pessoa jurídica internacional: a Organização Mundial do Comércio (OMC). Foram criados novos acordos internacionais, mediados e controlados pela OMC.
۩. Tratados da OMC
Os tratados nasceram do aproveitamento dos tratados originais do GATT, referente à produção de manufaturados. A eles foram incluídos os produtos têxteis e agrícolas (originalmente excluídos). Também foram elaborados Acordos para Serviços Internacionais (GATS) e para a defesa da propriedade intelectual. A OMC nasceu, em 01/01/1995, com a função de organizar toda essa série de acordos.
۩. Funções da OMC
Sua natureza institucional de organização internacional autônoma foi dada pelo Acordo de Marrakesh. Sua finalidade é o estabelecimento de um sistema mundial multilateral de comércio, buscando evitar os conflitos entre os países. Neste sistema não há membros privilegiados ou com poderes especiais.
A OMC busca fazer com que os acordos internacionais sejam cumpridos. Também procura resolver “assuntos não terminados”, aquelas questões que não atingiram o consenso na Rodada do Uruguai ou questões surgidas mais recentemente, ou mesmo ainda por surgir. Por fim, busca resolver pacificamente as questões comerciais mais gerais surgidas entre os países.
A OMC tem, inclusive, um sistema que determina a executoriedade forçadas de uma decisão coletiva, através da concessão ou cassação de benefícios, fiscais ou não. Suas normas são produzidas por consenso, sem a figura da votação individual. As controvérsias são resolvidas através de um sistema de arbitragem, onde a parte pode recorrer a uma espécie de Tribunal de Apelação.
۩. Estrutura da OMC
Seu órgão máximo é o Conselho Ministerial com competência para discutir qualquer questão que envolva o comércio mundial. Abaixo dele há o Conselho Geral, que se divide em:
a) Conselho Geral – órgão com competência normativa.
b) Corpo para a Solução de Controvérsias – cuida da solução de disputas.
c) Corpo para a Revisão de Políticas Comerciais – busca a adequação das políticas individuais às práticas mais gerias.
d) Conselhos Específicos:
I – Conselho para o Comércio de Produtos.
II – Conselho para o Comércio de Serviços.
III – Conselho para a Produção Intelectual
e) Comitês Especiais.
A adesão dos países à OMC é feita de maneira voluntária, onde o país apresenta suas políticas econômica e comercial, que são avaliadas pelo Conselho Ministerial e pelo Conselho Geral. Além disso, cada membro, individualmente receberá uma cópia dessa proposta e terá o direito de empreender negociações bilaterais, em benefício próprio, com o país voluntário. Caso seja aceito, o país terá que se adaptar às regras da própria OMC.” Referência:
Incorporação Dos Tratados No Direito Interno
“II – Incorporação dos tratados em geral
Na atual regime jurídico brasileiro atual, os tratados em geral, para ingressarem na ordem jurídica interna, devem ser submetidos a um longo processo. Desde o início de sua formação até a incorporação, são identificadas seis fases: a) negociação; b) assinatura; c) mensagem ao Congresso; d) aprovação parlamentar mediante decreto legislativo; e) ratificação; f) promulgação do texto do tratado mediante decreto presidencial.
As duas primeiras fases (negociação e assinatura), por força do art. 84, inciso VIII, da CF, são de competência do Presidente da República. Contudo, em razão da possibilidade de delegação, quem as executa na prática são o Ministro das Relações Exteriores e os Chefes de Missões Diplomáticas.
Uma vez assinado, começa a fase interna de aprovação e execução do tratado, por meio uma mensagem do Presidente ao Congresso Nacional. Essa mensagem é um ato político em que são remetidos a justificativa e o inteiro teor do tratado.
Recebida a mensagem, formaliza-se a procedimento legislativo de aprovação. Iniciando-se na Câmara dos Deputados (tal como os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República) e terminando no Senado, esse procedimento parlamentar visa à edição de um decreto legislativo, cuja promulgação é deflagrada pelo Presidente do Senado.
Conforme ensina Francisco Rezek, “o decreto legislativo exprime unicamente a aprovação”, razão pela qual ele não é promulgando na hipótese de rejeição legislativa ao tratado. Nesse caso, como bem registro aquele jurista, “cabe apenas a comunicação, mediante mensagem, ao Presidente da República”. (REZEK, Francisco. Parlamento e tratados: o modelo constitucional do Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 41, n.162, abr./jun. 2004).
Caso obtida a aprovação do Congresso, o decreto-legislativo será remetido ao Presidente da República para a ratificação. Contudo, uma vez ratificados, os tratados em geral ainda não surtem efeitos, quer na ordem interna, quer na ordem internacional.
Para produzirem efeitos perante o direito internacional, faz-se necessário o envio do instrumento ratificado pelo Presidente da República ao depositário do tratado, que o protocolará e enviará cópia aos outros Estados que integram o pacto internacional.
Para produzir efeitos na ordem interna, deve ocorrer a promulgação de Decreto do Poder Executivo (ato com força de lei) pelo Presidente. Segundo o Ministro Celso de Mello do STF, a edição desse ato presidencial acarreta três efeitos: a) promulgação do tratado; b) publicação oficial de seu texto; c) executoriedade do ato internacional que passa então a “vincular e obrigar no plano no plano do direito positivo interno”, tal como uma lei ordinária (STF, ADI nº 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001).
Por fim, cabem aqui duas observações: a) tratados em geral não podem versar sobre temas afetos à lei complementar, pois possuem força de leis ordinárias (STF, ADI nº 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001); b) tratados revogam leis ordinárias anteriores; porém, esses diplomas internacionais não são revogados por leis posteriores. Estas últimas apenas afastam sua aplicação enquanto vigorarem. Caso revogada a lei posterior incompatível, o tratado volta a produzir efeitos.
III – Incorporação de tratados sobre direitos humanos
Logo após a promulgação da Constituição de 1988, autores como Flávia Piovesan e Cançado Trindade sustentaram que o art. 5º, § 2º, da CF colocaria os tratados sobre direitos humanos no nível das normas constitucionais.
Assim, o procedimento de aprovação dos tratados sobre direitos humanos seria igual ao dos demais tratados com o detalhe de que a ratificação deles pelo Chefe de Estado, após aprovação parlamentar mediante decreto legislativo, garantir-lhes-ia o status constitucional.
Inclusive, Cançado Trindade foi quem elaborou o art. 5, § 2º, da CF. Segundo esse jurista, “o propósito do disposto nos parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direita ao Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível Constitucional”(Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional, apud MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional, 2ª ed, p. 695).
Contudo, o STF, numa decisão polêmica (HC 72.131) que se tornou jurisprudência por ter sido reiterada em outros casos, rejeitou essa tese libertária, ao argumento de que ela permitiria mudanças na Constituição sem o procedimento de elaboração previsto no art. 60 da Constituição.
Tudo parecia perdido; então surge a EC nº 45/2003, a qual introduziu o § 3º ao art. 5º da CF, cujo teor é o seguinte: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
É inegável que esse dispositivo confirmou a jurisprudência do STF no sentido de que a simples ratificação de um tratado, após sua aprovação padrão pelo Congresso, não lhe dá estatura constitucional. Para tanto, a aprovação deve ocorrer conforme o rito das emendas. Contudo, o art. 5, § 3º, mostrou que os tratados sobre direitos humanos possuem um especial destaque na ordem constitucional, o que fez ressurgir das cinzas o debate sobre a hierarquia deles no direito interno.
Assim, caso um tratado sobre direitos humanos tiver sido ou for aprovado com base no rito tradicional (decreto legislativo e promulgação via Decreto Executivo), ao que tudo indica, esse pacto internacional terá estatura “supralegal”, isto é, estará abaixo da Constituição, mas acima das leis, tal como sugerido pelo Ministro Gilmar Mendes. Contudo, deve-se esperar o resultado do julgamento dos RE nº 466.343/SP e do RE nº 349.703/RS, aos quais já fizemos referências em um post recente.
Parece-nos que a tese da supralegalidade representa uma evolução. Com efeito, o art. 5º, § 3º, é uma realidade incontestável. Logo, à primeira vista, não há que se falar em estatura constitucional de tratado de direitos humanos sem a aprovação mediante o rito das emendas. Contudo, o art. 4º, inciso II, da CF prevê a prevalência dos direitos humanos como princípio fundamental, o que mostra a importância desses tratados que versem sobre esse tema.
A grande dificuldade será a definição do que é um tratado sobre direitos humanos. Há casos em que é possível identificá-lo sem maiores problemas, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica; em outros casos, prima facie, vê-se que não se trata de um tratado sobre direitos humanos, a exemplo de um pacto ortográfico e lingüístico. Porém, haverá casos que certamente gerarão dúvidas, para as quais os juristas não têm respostas.
Eis, portanto, que se tem a dizer sobre esse tema altamente relevante da incorporação dos tratados ao direito brasileiro.” Referência:
Responsabilidade Internacional Do Estado
“A Responsabilidade Internacional do Estado tanto pode resultar duma omissão, como dum acto positivo. Qualquer destas violações da ordem jurídica internacional pode ter como fonte quer o Costume quer os Tratados Internacionais.
A Responsabilidade Internacional do Estado advém, em primeiro lugar, dos actos do seu órgão. Deve, contudo ficar explícito que nem sempre a actividade de um órgão produz a responsabilidade de um Estado: basta que ele aja num domínio em que é incompetente e essa incompetência seja manifesta.
Por actos do poder legislativo, que possam tornar o Estado responsável, entende-se geralmente a promulgação duma lei contrária ao Direito Internacional, ou a não publicação de uma norma exigida para o cumprimento dos seus compromissos internacionais, ou a sua aprovação de uma forma defeituosa.
Igualmente os actos dos órgãos administrativos podem responsabilizar o Estado.
É também muito frequente a responsabilização do Estado por actos do seu aparelho judicial. Em primeiro lugar, pode ser recusado o acesso do estrangeiro ao tribunal. Por outro lado, pode fazer-se uma má administração da justiça quer recusando-se o tribunal a decidir, quer retardando-se inexplicavelmente o processo, quer submetendo o estrangeiro a um tribunal de excepção ou irregularmente constituído. A mesma responsabilidade advém ainda dos julgamentos manifestamente injustos, quer porque violam leis destinadas a proteger estrangeiros, quer porque fazem interpretações abusivas e que lesam a pessoa que recorreu ao tribunal.
O Estado não é responsável apenas pelos actos dos seus órgãos. Há também certos actos praticados pelos indivíduos que podem responsabilizar: são sobretudo os actos praticados contra o Estado estrangeiro ou seus representantes.
Para além da responsabilidade por actos dos seus órgãos, o Estado pode ser internacionalmente responsável por actos de entidades públicas territoriais, por actos de entidades não integradas na estrutura do Estado, mas habilitadas pelo Direito Interno a exercer prerrogativas de poder público, e por actos de órgãos de um Estado ou de uma Organização Internacional postos à disposição do Estado territorial.
Um Estado pode também ser responsável pelos actos de outro quando o representa internacionalmente. A sua responsabilidade não ultrapassa os actos em que representa o outro no exterior.
A Responsabilidade Internacional dum Estado pode ainda advir da prática de crimes contra a paz.
O recurso à protecção diplomática
A Protecção Diplomática consiste na acção diplomática levada a cabo pelo Estado nacional do indivíduo prejudicado junto do Governo ou do Estado que internacionalmente é presumível responsável. Esta acção tem em vista obter a reparação do dano causado ao nacional do Estado reclamante, é empreendida pelos canais diplomáticos normais e termina, ou por uma solução política, ou pela sentença dum tribunal arbitral ou dum tribunal internacional a que ambos os Estados resolverem submeter o diferendo.
Ora, tanto a jurisprudência como a doutrina, têm sustentado que é considerada extemporânea qualquer reclamação diplomática feita antes do indivíduo lesado ter esgotado todos os recursos ou instâncias de Direito Interno postas ao seu dispor pelo Estado onde sofre o dano.
Quer dizer, para além da produção de um dano a um indivíduo e da existência de uma relação de casualidade adequada entre a violação de uma norma ou princípio de Direito Internacional e a produção de tal dano, o recurso à protecção diplomática tem um terceiro pressuposto: é necessário que o lesado tenha agido de acordo com o princípio do esgotamento dos recursos ou instâncias de Direito Interno.
Este princípio parece justificado por três ordens de razões.
Em primeiro lugar, deve dar-se ao Estado-réu a possibilidade de demonstrar que não houve dano em relação ao estrangeiro ou a possibilidade de o reparar quando ele existe.
Para além disso, um delito internacional só muito tardiamente é colocado à disposição dos árbitros ou juízes internacionais, os quais normalmente também não estão muito apetrechados para conhecerem até à exaustão o Direito Interno dos Estados intervenientes. Daí que o princípio do esgotamento funcione também como resposta a exigências de carácter técnico.
Podem os Estados interessados renunciar à exigência do esgotamento dos recursos de Direito Interno através do compromisso arbitral ou através da Convenção de reclamações.
O princípio admite excepções. Ora, o princípio nunca as poderia admitir, se não constituísse uma regra processual, porque doutro modo, estar-se-ia a ficcionar, nos casos constitutivos de excepções, uma responsabilidade também antecipada.
O princípio só tem aplicação nos casos em que a vítima do acto ilícito é uma pessoa privada. Compreende-se que a condição do esgotamento dos recursos locais não se verifique sempre que os lesados gozam de imunidade de jurisdição.
Mesmo quando a vítima é uma pessoa privada, o princípio não se aplica quando já houve pedidos iguais rejeitados pelos tribunais locais, quando se verifica um grave perigo na demora do processo, quando os tribunais internos são constitucionalmente incompetentes e, ainda, quando os particulares podem fazer valer o direito à protecção directamente num, Tratado e não o direito que consuetudinariamente lhes é reconhecido.
Também se admite que o particular se abstenha de seguir aquele princípio quando há grave perigo na demora.
Outra excepção verifica-se habitualmente quando um Estado emana uma lei de nacionalização ou pratica actos políticos que lesam o estrangeiro
A excepção preliminar de não-esgotamento dos recursos de Direito Interno pode ser convencionalmente dispensada. Basta que os Estados interessados a ela renunciem expressamente.
Outra regra para que se possa recorrer à protecção diplomática é a da necessidade de um vínculo de nacionalidade efectiva entre o indivíduo lesado e o Estado reclamante.
Quer isto dizer, pelo menos duas coisas: que nenhum Estado, salvo disposição em contrário, faz reclamações a favor de estrangeiros e apátridas; e que nenhuma reclamação é aceite se se verificar uma mera nacionalidade técnica entre o lesado e o Estado reclamante.
Deverá fazer a reclamação diplomática o Estado que mais possa mostrar interessado na causa. Deste modo, não será difícil concluir que o Estado reclamante deverá ser o novo Estado, nos casos de acesso à independência, o mesmo acontecendo nos casos de anexação territorial. Sempre que a nova nacionalidade resulte de um acordo voluntariamente celebrado entre dois Estados, não há óbice a que o mesmo acordo fixe as regras a seguir.
O vínculo da nacionalidade deve existir no momento da produção do dano, devendo manter-se até à reclamação, sendo irrelevante que já não exista no momento em que é proferida a sentença. Seria manifestamente injusto que um particular deixasse de obter reparação de um dano sofrido, depois de ter sido feita a queixa por um Estado. Na verdade, uma vez abandonada a dita queixa, muito dificilmente outro Estado secundária a reclamação do primeiro.
Refira-se que o Estado não exerce apenas a protecção diplomática a favor de cidadãos. Pode exercê-la também a favor de pessoas colectivas que tenham a sua nacionalidade.
Formas de reparação da responsabilidade internacional
Constitui princípio geral de Direito reconhecido pelas nações civilizadas aquele segundo o qual sempre que um Estado seja internacionalmente responsável por negligência deve repara o dano a que a sua conduta deu lugar.
A reparação é devida que em relação aos danos materiais quer em relação aos danos morais.
A primeira forma de reparação é a restitutio in integrum, que consiste no restabelecimento da situação anterior.
Sempre que este restabelecimento é possível materialmente ou juridicamente, o Estado internacionalmente responsável deve repor as coisas no seu estado primitivo.
Por vezes, muito embora seja materialmente possível a restituição material ou jurídica, o certo é que ou o lesado está mais interessado numa indemnização ou a reposição da situação jurídica anterior causa tais problemas internos que constitui manifesto abuso do direito a inexistência da restituição jurídica.
Nestes casos, nada obsta o que a indemnização substitua a restitutio in integrum.
Sempre que os danos são de natureza moral ou política, a forma de reparação adquire o nome de satisfação.
A satisfação pode constituir na apresentação de desculpas por via diplomática, no julgamento e punição dos culpados pelos danos morais ou políticos, etc.
Finalmente, a reparação pode consistir numa indemnização, ou seja, na entrega duma quantia pecuniária à vítima do delito internacional.
A indemnização é utilizada, sempre que a restitutio in integrum é material ou juridicamente impossível.” Referências (texto português de Portugal):
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