sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Revisão ICF - 1º bimestre - 2011.2.1

1 O FENÔMENO JURÍDICO


Pretende-se o conhecimento da formação racional, epistêmica, do conteúdo mínimo imprescindível ao ensino do Direito. Ou seja: a partir de pressupostos evidentes (fenômenos perceptíveis), apodícticos,[1] buscar-se-ão noções necessárias ao ensino jurídico. Os pressupostos evidentes serão conhecidos conforme ocorra a demonstração racional da realidade fenomênica através do método fenomenológico. Assim, buscar-se-á a percepção da realidade para compreender que a justificativa intelectual[2] na determinação de objetos a serem lecionados é pressuposto moral, e ético, de formação e atuação docente.

Informa-se, também, que a busca desses conceitos é a tentativa de uma primeira aproximação a uma teoria do Direito a partir da demonstração de aspectos evidentes do fenômeno jurídico. Estes aspectos deverão compor as idéias indispensáveis à Educação.

Justifica-se este capítulo no reconhecimento de que não é possível a existência de concepção de ensino anterior à compreensão do modo de conhecer objetos e invenção de teorias que constituirão o conteúdo a ser lecionado.



1.1 PRESSUPOSTOS GNOSIOLÓGICOS



O homem, na tentativa de compreensão de sua existência, e das relações decorrentes dessa, procura modos de satisfação racional na determinação da faticidade da realidade e da vida humana. Quer dizer: o ser humano, enquanto capacidade específica, própria ou inerente, de racionalidade, busca saber porque, e como, os fatos ocorrem. Afinal, “todos os homens tem naturalmente o desejo de saber.”[3]

Esta tendência inata do ser humano acarretará na necessidade de se buscar o conhecimento sobre os objetos que venham à sua consciência.

Sendo assim, a gnosiologia se ocupa dos modos de atualização (em sentido aristotélico) do conhecimento. Ou seja: de que maneira este conhecimento ocorre e quando este mero conhecimento, vulgar,[4] tornar-se-á científico, epistemológico.

Conforme se depreende de Mário Ferreira dos Santos: “Há um saber comum e um saber especulativo, procurado, buscado. O primeiro, o vulgar, chamavam os gregos de doxa, palavra que significa opinião, e o segundo chamavam de epistéme, que é o saber especulativo, conforme a divisão proposta por Platão.”[5]

A demonstração da superação metódica do conhecimento vulgar para o conhecimento científico, normalmente objeto de ensino, é o cerne desta primeira parte.

Perceba-se que, liminarmente, deve-se notar ser a percepção da realidade, pelo ser humano, imediata: não há dúvidas da existência de um conjunto de objetos que serão destinos da consciência. Ou seja: o ser humano perceber a existência da realidade é notório,[6] apodíctico. Mas entender essa realidade e conseguir impor relações causais ou finalísticas que obtenham credibilidade epistêmica decorrerá de certas condições intelectuais. Cabe a este capítulo buscar, em juízo delibativo, explicitá-las.

Não é possível conhecer o que não se percebe. Assim, apenas o que é percebido, seja pelos meios organolépticos ou intelectuais,[7] é objeto de conhecimento. Independentemente da postura filosófica, epistemológica ou ideológica,[8] é fato notório a existência do conhecimento como decorrência de uma percepção da existência de uma realidade externa à consciência. Esta percepção pode ser pré-determinada, encontrada no objeto ou mesmo no fenômeno, ou decorrente do discurso que a descreva.[9] Não importa a fonte: o fato é que apenas o que é percebido, na própria realidade ou no pensamento, é conhecido. Quer dizer: a forma, origem e validade do conhecimento são independentes do pressuposto da existência da percepção.

Assim, dos objetos percebidos, alguns são escolhidos como a expressão da verdade. Ou melhor: a partir de inferências ou raciocínios sobre os objetos percebidos, a mente humana realiza atos de compreensão, associando e escolhendo causas e conseqüências, ou finalidades, a esses objetos.

Por exemplo: se uma criança, ao jogar uma pedra na água, percebe as ondas que se movem, buscará um raciocínio que satisfaça essa relação percebida; ou, ao se perceber a ação humana, compreender quais são os motivos do agente, suas intenções e a finalidade inerente à sua ação, compõem os elementos que integrarão a realidade determinante à capacidade humana de raciocinar.

A aceitação da existência da percepção e a admissão da necessidade humana de impor causas e consequências, ou finalidades, à relação entre os objetos, irão compor os pressupostos necessários à existência da formação de um conteúdo que possa servir de objeto ao conhecimento e, por extensão, ao ensino.

Admitida a percepção, verificado que o conhecimento é pressuposto, e conteúdo, do ensino, caberá compreender quais meios são utilizados para que a imposição de causas e consequências, ou finalidades, às relações percebidas, obtenham coerência e credibilidade epistêmica.

A credibilidade epistêmica é condição à existência de um conteúdo para o ensino. Essa é a função da lógica, assunto da próxima subseção.



1.1.1 O Sentido da Lógica



Quando os raciocínios são produzidos – ou seja, imaginados – o ser humano, em sua aptidão inata de compreensão, acredita, crê, que seu raciocínio seja coerente com a realidade. Mas é possível que nem todos os raciocínios sejam coerentes entre si, sendo necessário purificá-los, extirpá-los de incoerências e contradições. Afinal, não se é racionalmente aceito que, sobre um mesmo fenômeno, causas antitéticas possam ser, concomitantemente, aceitas (conforme será explicitado ao se tratar da lógica formal).

Depuradas as contradições, essas causas são, finalmente, explicadas, explanadas, expostas, tornando um conjunto de idéias que justificam, racionalmente,[10] uma determinada realidade.

Esta necessidade de ausência de contradições iniciou-se com Parmênides, o indutor da Lógica Clássica, formal,[11] desenvolvida por Aristóteles (que a chamava de analítica).[12] A frase que inicia essa lógica, formal, é: “O ser é, o não ser não é”.[13]

Esta frase determina três conseqüências apodícticas,[14] evidentes, racionalmente invencíveis, quais sejam:

Se o ser é, o não ser não é. Ou uma coisa é, ou não é. Quer dizer, é o princípio da identidade: se é, é, se não é, não é.

O outro princípio, decorrente logicamente do primeiro, se compreende da seguinte maneira: se é, é, se não é, não é. Então não pode ser e não ser ao mesmo tempo. (note-se que, se forem em tempos diferentes, não há problema). Quer dizer, é o princípio da não-contradição: algo não pode ser, e não ser, ao mesmo tempo.

O terceiro princípio é chamado de terceiro excluído, ou seja: se não não é, então é. Dito de outra forma: se não é, então não é. Quer dizer, se o universo fosse constituído exclusivamente de quadrados e triângulos, e se percebe que aquele objeto não é um triângulo, então se sabe que aquele objeto é um quadrado.

Parece óbvio, tautológico, quase teratológico, mas exatamente por isso é chamado de lógica. E por ser tão óbvio, é apodíctico, evidente, racionalmente invencível. Quer dizer: a lógica formal é invencível.

Claramente, a constituição empírica, real-concreta, da realidade é multifacetada, complexa, mas a necessidade de sua compreensão não precisa sê-la. Principalmente se a intenção é demonstrar, em juizo delibativo, em exame perfunctório, as noções epistêmicas mínimas exigíveis ao Direito.

Do complexo real caberá à inteligência compreender a verdade.[15]

Note-se o uso contínuo da palavra razão. Deve-se compreender razão como a capacidade humana de conhecer a medida das coisas. Em analogia, seria como a medida utilizada na averiguação de comprimento, enquanto regra escalar utilizada em uma régua. Também é possível, por analogia, pensar razão como ração: quantidade exata, e necessária, de nutrientes e oligoelementos utilizados para a alimentação de algo.[16]

Assim, para a compreensão do universo, utiliza-se da razão. A razão organiza-se da lógica e a lógica organiza a relação entre os fatos, justificando à mente inquieta o entendimento do todo, até a medida da certeza, apodíctica. Conforme se depreende de Einstein: “A razão humana, eu o creio muito profundamente, parece obrigada a elaborar antes e espontaneamente formas cuja existência na natureza se aplicará a demonstrar em seguida.”[17]

O uso da razão para a compreensão da realidade conseguirá, em última instância, a compreensão do modus in rebus[18] do real-concreto. Ou seja: o modo de ser da realidade é compreendido com a instrumentalização da razão, utilizando-se da consciência.

Nesses termos, o emprego racional para a compreensão do universo, no sentido científico, repetível, provável (com capacidade de prova), baseou-se, desde o início da compreensão humana racional dos fenômenos naturais e humanos, nos seguintes modos, ou métodos (caminhos) de abordagem: indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo (confirmacionista e corroboracionista), dialético e fenomenológico,[19] conforme se discorrerá nesta subseção.

Esses métodos são os caminhos utilizados pela lógica para a formação de teorias e idéias[20] epistemicamente aceitas. Esses conteúdos, conhecimento, são produzidos pela ciência, tornando-se objetos de ensino.

Por compor um dos elementos do ensino, o próprio objeto a ser lecionado, devem ser conhecidos os seus procedimentos metodológicos para que se compreenda e se explicite a causa da formação de teorias e idéias.

Assim, analisam-se os métodos de abordagem:

O método indutivo é a abordagem típica do empirismo, do conhecimento gerado pela compreensão das relações causais homogêneas percebidas na realidade concreta. Quer dizer: ao se analisar fatos, notam-se repetições. Compreendendo o limite dessas repetições, leis causais são induzidas a serem formadas. Também é conhecida pela seguinte expressão: do particular para o geral. Um exemplo notório (mutatis mutandis) é a própria formação de súmulas vinculantes: havendo várias decisões no mesmo sentido, percebe-se que as próximas serão julgadas da mesma forma, criando a lei geral (a própria súmula).

Já o método dedutivo, próprio do idealismo, parte do pressuposto exatamente contrário ao método indutivo. Já se conhecem leis gerais e, essas, podem prever as consequências dos fatos (fenômenos). V.G.: conhecendo-se a lei da gravidade (os corpos se atraem na proporção direta de suas massas e na inversa do quadrado de suas distâncias), ao se soltar uma pedra de uma determinada altura, pode-se deduzir que esta irá cair sob determinada aceleração. Quer dizer: O raciocínio dedutivo parte do geral (lei), ao particular (fato). A partir de princípios, leis ou teorias consideradas verdadeiras e indiscutíveis, prediz-se a ocorrência de casos particulares com base na lógica do silogismo. No Direito, a tentativa de subsunção da interpretação da lei (norma), ao fato concreto, é, guardada as devidas proporções e restrições decorrentes do princípio da finalidade, conforme será posteriormente expendido, considerado como um método dedutivo.

Em relação ao método hipotético-dedutivo (verificacionista e corroboracionista), perceba-se: ainda não se conhece a lei causal.[21] O raciocínio é próximo com o dedutivo: por hipótese, supõe-se alguma lei verossímil. Então, testa-se a lei. Com esse teste sendo positivo, afinal sendo negativo anula-se a hipótese, tem-se duas abordagens filosóficas possíveis: a lei (hipótese testada) torna-se verificada ou corroborada. Assim, as duas abordagens possíveis são as seguintes:

O método hipotético-dedutivo verificacionista assume a posição de que, sendo a hipótese verificada (vero/verdadeiro), a lei testada torna-se obrigatória, imutável, veraz. Então, o método de abordagem hipotético-dedutivo verificacionista diferencia-se do corroboracionista por uma postura filosófica, qual seja: ao realizar o teste, sendo o teste positivo, não apenas se confirma a hipótese, mas esta se torna verdadeira, daí, imutável. Todas as teorias ortodoxas existentes, inclusive no Direito, se fundamentam na postura metodológica e filosófica do verificacionismo.

Já abordagem hipotético-dedutiva corroboracionista possui a seguinte estrutura: se a hipótese conseguiu um teste afirmativo, não significa que a hipótese seja verdadeira, apenas que esta não se provou ser falsa. Assim, a hipótese torna-se aceita por não se ter provado a sua falsidade. É o método derivado da concepção epistemológica de Karl Popper, com seus níveis de falseabilidade.

Popper alicerçou essa teoria porque não aceitava o raciocínio indutivo:[22]



Ora, está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares [...] independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos.[23]



Então, ao logicamente impossibilitar a existência do indutivismo, Popper afirma que uma teoria pode apenas ser aceita, corroborada. Nas suas próprias palavras:



Importa acentuar que uma decisão positiva só pode proporcionar alicerce temporário à teoria, pois subsequentes decisões negativas sempre poderão constituir-se em motivo para rejeitá-la. Na medida em que a teoria resista a provas pormenorizadas e severas, e não seja suplantada por outra, no curso do progresso científico, poderemos dizer que ela “comprovou sua qualidade” ou foi “corroborada” pela experiência passada.[24]



A relevância deste método é o reconhecimento de que teorias, por mais se sejam coerentes e conformes a realidade, não podem ser confundidas com a própria realidade. Qualquer teoria sempre será uma tentativa da lógica em aproximar a consciência do modus in rebus da realidade, utilizando-se da razão.

Toda teoria, epistemicamente, deve apenas ser corroborada se houver “decisão positiva”,[25] não impedindo que a realidade, posteriormente, trate de refutá-la.

Em suma: é explicação epistêmica, lógica e apodíctica, à humildade científica. É pressuposto de uma atividade docente.

Já o método de abordagem dialético, conceito que será agora dissertado, possui uma tendência completamente diferente. A dialética pode ser compreendida de duas maneiras: dialética de oposição e dialética de complementariedade.

A dialética de oposição parte do princípio da mutabilidade inerente das coisas, sendo uma sucessão contínua de teses e antíteses, formando sínteses que podem ser contraditadas, e assim sucessivamente. É um método usualmente filosófico, no qual a progressiva compreensão humana do universo é sempre aprimorada com a retirada dos elementos contraditórios, depurando-se a uma compreensão racional dos fatos. A conclusão final, quando possível, no método dialético, ocorre quando a síntese final não é contraditada. Para a confirmação desta síntese, especula-se uma não-síntese (antítese). Esta, sendo negada, confirma a síntese final. Quer dizer, se a síntese propõe que o Direito deve realizar a justiça, a não-síntese será: o Direito deve realizar a injustiça. Se esta não-síntese se confirma, ou melhor, se nega, a síntese final permanece íntegra.

Já o método de abordagem dialético de complementariedade é formado na compreensão das unidades mínimas de referência para a determinação de uma realidade. Um exemplo clássico é a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, onde o fenômeno jurídico apenas subsiste na união, dialética de complementariedade, entre fato, valor e norma. É a compreensão dos elementos essenciais de um fenômeno, onde se percebe a inter-relação necessária decorrente dos seus elementos constitutivos.

O último método utilizável é o método fenomenológico. Como este método está fundamentando este trabalho, necessário torna-se uma análise mais verticalizada.

Edmund Husserl é um dos maiores expoentes do método de abordagem fenomenológico, sendo o autor diretamente utilizado como fonte epistêmica para a compreensão e utilização deste método. Em suas “Conferências de Paris”, expressa-se nos seguintes termos:



De acordo com o seu [Descartes] intuito, nada deve valer como realmente científico que não seja fundamentado mediante plena evidência, isto é, que não tenha de se legitimar pelo retorno às próprias coisas ou aos estados de coisas numa experiência e evidência originárias. Assim guiados, tomamos como princípio, enquanto filósofos principiantes, só julgar em evidência e examinar criticamente a própria evidência, e isto, claro está, também com evidência.[26]



Ou seja: seguindo a primeira regra cartesiana, que será oportunamente comentada, a fenomenologia apenas pode admitir o que seja evidente.

Um aspecto evidente da realidade, conforme já dissertado, é a percepção. Assim, a primeira fase que se deve considerar é a existência da percepção de um fenômeno. Essa percepção é a inequívoca verificação da existência de algum objeto.

A vantagem dessa abordagem é a superação da dicotomia sujeito-objeto. Não há esta separação. Quando um sujeito percebe uma caneta, o que existe é o sujeito-caneta. Em melhores termos:



Os fragmentos e as fases da percepção não estão colados uns aos outros de modo extrínseco, estão unidos, justamente como consciência e, de novo, a consciência está unida, e unida decerto na consciência dela mesma. Não existem primeiro coisas e, em seguida, se insinuam na consciência de modo que o mesmo penetrou aqui e além, mas consciência e consciência, um cogito e outro conectam-se num cogito que a ambos une, o qual, como uma consciência nova, é por seu turno consciência de algo e é, sem dúvida, a realização desta consciência sintética de que nela se conhece “o mesmo”, o um como um.[27]



Após esta percepção primordial,[28] poder-se-á separar o sujeito do objeto para a percepção de inferências entre os objetos percebidos, resultando na formação de uma teoria. Assim, o conjunto de percepções sobre um determinado objeto constituirá a fonte de realização da compreensão.



Husserl procura encaixar a compreensão das significações na relação intencional com objetos, pois para ele o “ato” intencional que “visa” um objeto é a unidade primária da consciência, ou por outras, a maneira fundamental de nos abrirmos para o mundo. O “ato intencional” deve ser pensado [...] a partir da relação sujeito-objeto, ou seja, como uma atividade subjetiva que consiste na visada ou representação de um objeto.[29]



Assim, o ato intencional é a consciência dos elementos que compõem a percepção. Esta compreensão tornar-se-á racional quando houver a redução eidética, a busca do eidos, da essência do objeto.



Esta distinção inicial e simples traça o caminho a ser percorrido para a elucidação ulterior deste fenômeno complexo e composto. Pois, o conhecimento pode ser entendido analisando-se os ingredientes que o compõem e observando-se a interação dos mesmos no processo cognitivo. Assim, o procedimento fenomenológico caracteriza-se como procedimento científico, [...] tematiza explicitamente o seu objeto e como investigá-lo de maneira metódica e sistemática. Proceder fenomenologicamente não significa somente partir da e basear-se na experiência do assunto a ser investigado, mas ter plena consciência do caminho que, uma vez percorrido e experimentado, pode ser descrito, refeito e corrigido por outros. [...] O que importa é desenvolver uma sequência organizada de passos argumentativos que conduzam com transparência metodológica ao resultado.[30]



Em suma: apenas a percepção é elemento inquestionável para a produção de um conhecimento fenomenológico. Analisando-se os seus componentes e desenvolvendo uma sequência organizada de passos argumentativos que possam ser experimentados por outros, até para serem corrigidos, é o modus operandi do método fenomenológico.

Obviamente houve uma drástica redução da complexidade da fenomenologia para atender ao escopo deste trabalho.

Neste momento, cabe apenas reconhecer a diversidade de métodos para conseguir distinguir e compreender as essências fundamentais de cada abordagem científica.

Afinal, não é possível exigir-se o esgotamento de um tema tão fascinante e complexo quanto a compreensão do sentido da lógica e a sua capacidade de formação teórica na produção de conteúdo suscetível a ser ensinado.

Conforme se perceberá, o método de abordagem fenomenológico, nos termos lavrados, será privilegiado como base para a compreensão de um conteúdo mínimo do Direito a ser organizado em conteúdos para o ensino.

Assim, delibada a lógica e os métodos de produção científica, antecedentes necessários na formação de conteúdo epistêmico passível de ser lecionado, cabe detalhar os princípios lógicos que informam as ciências humanas.

Enfim, compreendidos os pressupostos gnosiológicos de conhecimento científico, será possível adentrar nos objetos passíveis de conhecimento e verificar o fenômeno jurídico.

Dito isso, a próxima subseção será dedicada a demonstrar a existência de uma lógica e metodologia próprias na produção de conteúdos epistemologicamente relevantes na área das ciências humanas e, por extensão, na área jurídica.


Assim, compreendida a validade, limite e função de uma metodologia exequível, enquanto condição possivelmente necessária, mas não suficiente, para a compreensão da realidade, busca-se discorrer sobre um método que possua forte coerência e profunda significância epistêmica para a determinação de teorias que comporão o conteúdo a ser lecionado na realização do ensino jurídico.

René Descartes foi o maior teórico na concepção racional de uma metodologia de formação de conhecimento científico, racional. Partindo do pressuposto de que “considerava como falso tudo quanto era apenas verossímil”,[31] Descartes sentiu-se impulsionado a ter um caminho seguro na formação do conhecimento. O seu método (caminho), é composto de quatro leis fundamentais:



O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar, com todo o cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para dele duvidar.[32]



Então, a sua primeira lei é a regra da evidência: somente aceitar como verdadeiro o que é lídimo à consciência, onde não houvesse espaço para que este conhecimento pudesse ser considerado duvidoso.

“O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las.”[33] É a regra da análise. Lise significa separar, vide hemodiálise. Quer dizer: dos problemas encontrados, esses devem ser separados, em quantas partes forem necessárias, para que cada uma delas pudesse ser individualmente resolvida.



O terceiro, em conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros.[34]



É a chamada regra da síntese. Após os elementos terem sido intelectualmente separados, como compõe uma realidade única, devem ser novamente unidos. Esta regra pode receber a qualificação de síntese hierárquica, onde não há apenas uma fusão decorrente de anterior fissão, mas uma fusão fundamentada na ordem de precedência, relevância, dos problemas analisados.

A quarta e última regra é “fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de não ter omitido nada.”[35] É conhecida como regra da enumeração, afinal: “[...] o conhecimento científico é sistemático e depende de investigação metódica.”[36]

Enfim, foram apresentados os pressupostos gnosiológicos na formação de conhecimento epistêmico (conteúdo passível de ensino): a existência apodíctica da realidade e da percepção; a necessidade inerente do ser humano em tentar explicar e compreender a realidade; e a instrumentalização, limites e finalidades do método enquanto elemento lógico conformador na produção da ciência.

Em suma, foram apresentadas as condições gnosiológicas que antecedem e acompanham a formação de conhecimento científico, conteúdo suscetível de ser ensinado. Foram explicitados os caminhos existentes à compreensão da realidade e suas relações.

Já se demonstrou que a percepção é o elemento norteador da formação do conhecimento. A percepção é formada pela união do sujeito com o objeto, sendo o conhecimento resultado da compreensão dessa relação e suas inferências, nos termos apresentados.

Esboçados os pressupostos gnosiológicos atinentes ao sujeito e suas capacidades de formação de inferências e teorias, conteúdo imediato do ensino, cabe agora reconhecer a segunda parte da percepção, qual seja: o objeto.

Afinal, a realidade é composta de objetos, destinos do pensamento. Assim, o próximo passo será buscar conhecer quais são os tipos de objetos existentes para que seja possível reconhecer onde o Direito está classificado. Esta é a função da próxima seção.



1.2 PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS



Existem a Matemática, a Física, a Biologia etc., porque o homem tem uma especificidade cognoscente. Pode-se conhecer a realidade de forma objetiva,[37] científica, esquivando-se do “particular e contingente, graças às sínteses que [o espírito] realiza.”[38]

Para que a produção gnóstica na teoria jurídica seja realista, e não meramente idealista, deve-se, preliminarmente, conhecer o objeto a ser estudado. O objeto determinará o método a ser utilizado. Para cada espécie de objeto, ter-se-á um método correspondente.

A principal diferença na percepção da natureza do objeto, ontologia, ocorrerá quanto à capacidade da existência de submissão ao princípio da causalidade ou ao princípio da finalidade.[39]

Chama-se objeto o segundo elemento que compõe a percepção, junto com a consciência, porque se refere a um sujeito submetido a um juízo. V.G.: a pedra é azul. O juízo abrange um sujeito, de quem se afirma algo, um predicado, que indica a qualidade atribuída, e um verbo que os une.[40]

Necessário explicitar que este momento é fundamentalmente baseado nas idéias de Miguel Reale.

Superados estes prolegômenos, vamos ao cerne:

Cabe compreender quais são as espécies de objetos que serão destinatários da atenção (percepção)[41] de um sujeito.







1.2.1 Tipos de Objetos



A tipologia dos objetos cognoscíveis permite determinar quais são os tipos de destinatários possíveis à consciência humana, especificamente, analisam-se os objetos da Ciência do Direito.

Conforme Miguel Reale:



Temos, geralmente, uma concepção muito pobre do real, entendendo que a realidade se circunscreve àquilo que tomba sob a ação de nossos sentidos. A realidade, no entanto, é muito mais complexa e rica. Uma das finalidades de nosso Curso consiste em determinar claramente a natureza e a estrutura de uma realidade que conhecemos como sendo jurídica. Onde situar o fenômeno jurídico como objeto da Ciência do Direito? Para atingirmos uma noção clara quanto ao direito, é necessário, previamente, discriminar as possíveis esferas do ser enquanto objeto do conhecimento, ou as "esferas ônticas."[42]



Assim, cabe destacar que existem quatro esferas ônticas, apenas quatro tipos de objetos:[43]

O critério a ser utilizado é a notória percepção das quatro dimensões (as três dimensões espaciais e a quarta dimensão: o tempo).

Aqueles que possuem referibilidade espacial e temporal: objetos físicos. Ou seja: os objetos físicos são cognoscíveis em referibilidade espaço-temporal. Significa que objetos físicos têm uma existência definida no espaço (ocupam espaço), e no tempo (há uma durabilidade temporal inerente). V.G.: esta mídia (suporte físico da informação, o papel).

Outros objetos possuem referibilidade exclusivamente temporal: objetos psíquicos. São cognoscíveis em referibilidade exclusivamente temporal, quer dizer: não ocupam lugar no espaço e tem um tempo de duração definido, fugaz, efêmero. V.G., as emoções, as paixões, os instintos, os desejos. Mas, prevenindo a possibilidade de exclusividade humana dos objetos psíquicos, deve-se lembrar que os animais também possuem cálculo e apetite.

Estes dois objetos, físicos e psíquicos, compõem a espécie dos chamados Objetos Naturais. São compreendidos como objetos naturais porque nos são oferecidos pela natureza. Não são, necessariamente, construídos pelos Homens. Ou seja: existem independentemente da atuação humana.

Podem-se construir objetos naturais, mas estes existem na natureza. O que há de comum nestes objetos, além de sua origem natural, é a submissão ao princípio da causalidade. Este princípio significa que indigitados objetos são passíveis de verificação experimental de causa e efeito. A explicação do mundo natural depende da existência de leis causais.[44] Dado a causa, dá-se, necessariamente, o efeito.

Então, não se pode olvidar da restrição imposta pela física quântica em relação à lei da probabilidade. Quer dizer, mesmo não havendo causalidade imediata, a lei de probabilidade não é contrária à causalidade, apenas mostra que a evidência causal não é imediata, mas probabilística (em termos matemáticos).[45]

Há autores que pretenderam explicar o Direito, esboçando uma Ciência Jurídica, como Objeto Natural. Citam-se, nas palavras de Miguel Reale, dois exemplos:



O Direito, segundo esses tratadistas, reduzir-se-ia a um complexo fenômeno de consciência, a fatos de ordem psíquica. Se o Direito, afirmam eles, existe enquanto o homem se inclina segundo uma linha de interesse e é movido por desejos e vontades; se o Direito é o interesse protegido, e o interesse é um elemento de ordem psíquica, toda a Ciência Jurídica tem em sua base a Psicologia do jurídico e do justo [..] Pontes de Miranda, cuja obra fundamental Sistema de Ciência Positiva do Direito, publicada em 1922, representa uma vigorosa expressão do naturalismo jurídico. Essa atitude chega, no entanto, ao paradoxo de apresentar o Direito como fenômeno não peculiar ao homem, mas comum ao mundo orgânico e até mesmo aos sólidos inorgânicos e ao mundo das figuras bidimensionais, por significar apenas um sistema de relações e de conciliação ou composição de forças. [são] concepções unilaterais e falhas da Ciência Jurídica, porque se limita[m] a ver no Direito apenas um de seus elementos, tentando reduzir a complexidade da vida jurídica a um fator isolado de sua gênese e de seu processo.[46]



Obviamente, é notório o interesse da psicologia para o Direito, posto tratar-se de fenômenos intrínsecos aos seres humanos. Mas há relações de poder, há técnica normativa. Ou seja: há outros fatores que também determinam o fenômeno jurídico.

Pontes de Miranda apresenta um entendimento muito peculiar. É realmente possível a compreensão do Direito enquanto sistema lógico que satisfaz as exigências metalógicas de coerência, sendo considerado até como um objeto ideal. Mas, apesar da sua perfectibilidade teórica, e sua integridade na concepção de Direito, as constantes mudanças e atualizações do fenômeno jurídico impedem que esta visão possa ser integralmente acatada.

Em suma, a restrição a apenas um dos elementos constitutivos do fenômeno, conforme citado, impedem o conhecimento da complexidade inerente à atividade jurídica.

Ainda, há objetos que possuem referibilidade meramente abstrata: objetos ideais (intelectuais). Esses objetos se diferenciam dos objetos psíquicos porque existem independentemente de serem pensados, além de não possuírem referibilidade espacial ou temporal.

Conforme Miguel Reale: “Um triângulo não se formou após o conhecermos. Já no primeiro livro de O Espírito das Leis (1748), Montesquieu observava que antes de se traçar um círculo, os seus raios são iguais.”[47]

Os objetos ideais são declaratórios, e não constitutivos, na mente humana, da realidade. Também se subordinam ao princípio da causalidade.

Os objetos ideais são cognoscíveis em referibilidade abstrata, existindo apenas conceitualmente. Não possuem existência espacial ou temporal. V.G: os números (a matemática), as figuras geométricas e a norma (será, posteriormente, dissertada). Se os números tivessem condição de existência espacial, 0,1 seria dez vezes menor que 1.

Talvez pareça estranho um círculo (figura geométrica), não ter existência espacial, mas o que se afirma é que o espaço não é condição de existência da figura. Um círculo que se vê, desenhado, não é um círculo, é a sua representação.

A existência dos Objetos Ideais não é constituído ao serem pensados ou representados, são atemporais e a-espaciais. A possível referibilidade dos Objetos Ideais no espaço-tempo não são condições de sua existência.

Juristas, principalmente neo-kelsenianos,[48] acreditaram ser o Direito um objeto ideal, posto a norma o possa ser considerado. Mas então ocorre a drástica confusão entre a teoria e a realidade.

A Teoria Pura do Direito foi uma busca de especificação teórica do fenômeno jurídico, uma delimitação radical de sua essência. Mas, como todo reducionismo, não abarca uma relação fundamental na existência do Direito, qual seja: o seu aspecto teleológico, finalístico.

Em suma: é necessário reconhecer as espécies de destino da consciência humana, mormente estes serem os elementos que compõem, junto com o sujeito, o fenômeno da percepção.

Conhecidos os objetos naturais (físicos e psíquicos), e os objetos ideais, todos submetidos ao princípio da causalidade, cabe agora reconhecer os objetos de interesse capital para o estudo que se apresenta, posto conciliarem as exigências metodológicas das ciências humanas com a realidade apresentada pelo fenômeno júridico.

O último objeto, de relevância capital para este estudo, é o objeto cultural. Este objeto é formado por quaisquer dos objetos anteriores com uma qualificação: o valor (um significado). Por exemplo: ao se observar uma maçã, objeto físico, pode-se inferir que esta represente o pecado. Neste sentido, a maçã não é mais meramente física, mas cultural, fruto da atuação humana na valoração da realidade.

O Direito deve ser considerado um objeto cultural porque todas as percepções referentes ao fenômeno jurídico são, intrinsecamente, impregnadas de valores, conforme se discorrerá.

A compreensão do valor enquanto ente vetorial na ação humana deve ser fruto de estudo específico por compor não apenas a essência primordial deste estudo como também por gerar o cerne da própria expectativa racional da existência humana: a busca da concreção de valores.[49]

Ratifique-se ser o valor um conceito fundamental para a determinação do fenômeno jurídico.

Então, cabe conhecer o objeto cultural e compreender a natureza especifica do valor para a sua realização. Este é o assunto da próxima subseção.



1.2.2 axiologia e objetos culturais.



A atuação humana é decorrente de valores e significados. Os valores são entes vetoriais, indicam uma direção, um caminho a ser seguido na ação do Homem. Conforme Silvio de Macedo, citando Thomas Kuhn: “o valor é um elemento irrenunciável do homem, um dado primordial, essencial, um conceito-chave para o Direito.”[50]

Max Weber também ratifica esta posição ao demonstrar a utilidade dos valores para a orientação da conduta humana: “Ao contrário, muitas vezes não conseguimos compreender, com plena evidência, alguns dos ‘fins’ últimos e ‘valores’ pelos quais podem orientar-se, segundo a experiência, as ações de uma pessoa.”[51]

Ou seja, se a impossibilidade de compreensão decorre da incapacidade de se evidenciar os fins últimos e valores pelos quais as ações humanas se orientam, torna-se evidente que os valores sejam entes vetoriais na ação humana. Esse conceito, fundamental para o trabalho apresentado, será melhor dissertado.

A capacidade dos valores serem entes vetoriais na ação humana ocorre porque são polares. Ou seja: é possível conhecermos um valor pela existência de um desvalor. Só se evidencia a justiça porque se compreende a existência da injustiça, do conforto, pelo desconforto etc.

Então, devido à polaridade, a natureza (ação) humana tende a fugir do desvalor para perseguir o valor.

Aqui se encontra a justificativa racional e evidente do valor enquanto ente vetorial da ação humana, compondo-se do conceito metodológico fundamental para a compreensão nas ciências do espírito: o ser humano tender a fugir do desvalor, a buscar o valor.

Assim, essa é a essência mesma da relevância do valor para a conduta humana. Sendo polar (bipolar), o valor se concretiza na exata oposição ao desvalor. Veja-se: cabe ao indivíduo escolher seus valores, que serão relevantes por si mesmo ou por oposição aos seus respectivos desvalores, e buscar seguí-los na sua existência empírica.

Os valores[52] coincidem, em alguns aspectos - atemporalidade e a-espacialidade - com os Objetos Ideais. Mas há diferenças ontológicas:



Enquanto os Objetos Ideais valem, independentemente do que ocorre no espaço e no tempo, os valores só se concebem em função de algo existe, ou seja, das coisas valiosas (valoração). Outra diferença é que os Objetos Ideais são quantificáveis, contáveis; os Valores não admitem qualquer possibilidade de quantificação.[53]



Ou seja: não podemos dizer que a beleza vale dez vezes mais que a feiúra, ou que a injustiça valha mil vezes menos que a Justiça. Há uma “impossibilidade absoluta de mensuração. Não se numera, não se quantifica o valioso.”[54] É possível a mensuração indireta, por processos empíricos ou pragmáticos, enquanto referências para a vida prática, V.G.: o preço de um produto enquanto relação monetária.

Há impossibilidade lógico-formal[55] de definição do Valor enquanto objeto. “Da mesma forma que dizemos que ‘ser é o que é’,[56] temos que dizer que o ‘valor é o que vale’. Por que isto? Porque ser e valer são duas categorias fundamentais, duas posições primordiais do espírito [consciência], perante a realidade.”[57]

Ou seja: não há possibilidade da existência de gênero próximo para classificarmos o valor: “Ou vemos as coisas enquanto elas são, ou as vemos enquanto elas valem; e, porque valem, devem ser. Não existe terceira posição equivalente.”[58]

O ser, objeto de estudo das ciências da natureza, é princípio de causalidade. Já o dever ser, objeto de estudo das ciências do espírito, é princípio de finalidade.[59]

Essa diferença, intuída quando da análise dos pressupostos gnosiológicos, na subseção anterior, é elemento fundamental para a compreensão do exposto.

Em suma: desvinculando os Valores dos Objetos Ideais, Miguel Reale logrou dar status autônomo à Axiologia (Teoria dos Valores).[60]

Necessário, então, conhecer as principais características do valor:

O Valor é bipolar. A todo valor, necessariamente, contrapõe-se um desvalor, ao bom se contrapõe o mau; ao justo, o injusto.

Ou seja, o reconhecimento do valor enquanto elemento fundamental no fenômeno jurídico é um axioma insuperável, conforme se procura demonstrar.



A dinâmica do direito resulta, aliás, dessa polaridade estimativa, por ser o direito concretização de elementos axiológicos: — há o "direito" e o "torto", o lícito e o ilícito. A dialeticidade que anima a vida jurídica, em todos os seus campos, reflete a bipolaridade dos valores que a informam. Não é por mera coincidência que existe sempre um autor e um réu, um contraditório no revelar-se do direito, dado que a vida jurídica se desenvolve na tensão de valores positivos e de valores negativos. O direito tutela determinados valores, que reputa positivos, e impede determinados atos, considerados negativos de valores: até certo ponto, poder-se-ia dizer que o direito existe porque há possibilidade de serem violados os valores que a sociedade reconhece como essenciais à convivência.[61] (grifo nosso)



Também é perceptível que o valor, ao se concretizar, influi na realização de outros valores. É a característica da implicabilidade. Há implicabilidade recíproca entre os valores. Ao se eleger um Valor, outros serão racionalmente, conseqüentemente, eleitos. V.G.: escolhendo o Valor vida, o Valor integridade corporal decorrerá logicamente desta escolha.

Outra característica fundamental do valor: a referibilidade. Esta característica revela que o Valor beleza somente se realizará quando apontarmos para um objeto considerado belo. Ou seja, apesar da sua existência autônoma, existe a “justiça” enquanto conceito de valor. Objetivamente, a referibilidade significará que existem atos ou decisões justas. Esta possibilidade de qualificação das coisas é uma das características mais relevantes dos Valores.

Há uma quarta característica do Valor, a preferibilidade. Toda teoria do Valor tem como conseqüência, não causal, mas lógica, uma teleologia. “O valor implica sempre uma tomada de posição do homem e, por conseguinte, a existência de um sentido, de uma referibilidade.”[62](grifo nosso)

Os valores são entidades vetoriais “porque apontam sempre para um sentido, possuem direção para um determinado ponto reconhecível como fim”[63] (ser como deve ser). A vida humana é uma vivência perene de valores. “Viver é tomar posição perante valores e integrá-los em nosso ‘mundo’, aperfeiçoando nossa personalidade na medida em que damos valor às coisas, aos outros homens e a nós mesmos.”[64]

Cada agrupamento social estabelece sua própria relação de valores. Mesmo que o indivíduo, unidade primacial da Sociedade, em si, não absorva estes valores, reconhece a sua possibilidade de ordenação ou graduação preferencial. V.G.: um marginal reconhece sua ação malévola à Sociedade. Mesmo sem internalizar os valores da sociedade (não roubar), o marginal sabe que sua ação não é aceitável. Basta imaginar[65] qual ladrão aceitaria, de bom grado, ser roubado.

Nesta relação, tábua de valores, há a sua possibilidade de ordenação ou graduação preferencial, hierárquica. Embora havendo a incomensurabilidade dos valores, há possibilidade de graduação hierárquica. V.G., a vida vale mais que a propriedade. Incomensurável porque a vida não vale duas ou dez vezes mais, apenas é mais valiosa.

A objetividade do Valor significa que, apesar de sempre ser destinado a valorar, o valor existe autonomamente. Quer dizer: a beleza sempre indica algo aprazível à estética sensitiva, mas o Valor beleza existe independentemente de objetos bonitos.

A historicidade do Valor é a própria condicionalidade social e histórica de todo conhecimento. Isto é, a inafastável condicionante histórica do ser do homem. Então, a compreensão do conteúdo de um valor pode ser modificado. Valores que hoje possam ser considerados os mais relevantes podem ter sido desprezados no passado. Por exemplo: a escravidão já foi considerada aceitável. Hodiernamente, seria uma afronta à dignidade da pessoa humana.

A inexauribilidade do Valor explica-se porque, por mais que se realize um Valor, se este se tornar, em absoluto, um fato, não será mais um Valor.

O mundo do dever-ser é sempre uma busca, um objetivo, uma direção. V.G., por mais que se pinte um quadro considerado maravilhoso, sempre será possível fazer outro melhor.

“Uma das notas fundamentais dos valores consiste em não coincidir exatamente com a consciência que possamos ter deles, superando-a em um processo dialético que envolve a dimensão histórica do ser humano.”[66]

Polaridade, implicabilidade, referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade, graduação hierárquica, objetividade, historicidade e inexauribilidade são algumas das mais relevantes características do Valor.

O conhecimento dessas características é fundamental enquanto se compreende serem os valores entidades vetoriais que, se não guiam, determinam a direção da ação humana. Perceba-se:



Robert Alexy diz que princípio e valor são conceitos que, utilizados um em vez do outro, não há perda de conteúdo. Porém, assevera que, segundo Von Wright, os conceitos práticos dividem-se em três grupos: conceitos deontológicos ou normativos, axiológicos ou de valor e antropológicos ou psicológicos. Estão contidos nos conceitos deontológicos o mandar, a proibição, a permissão e o direito a algo; os conceitos axiológicos não abrigam o mandado nem o dever-ser, mas sim a idéia do “bom”; e os antropológicos referem-se à vontade, ao interesse, à necessidade, à decisão e à ação. Acrescenta ainda que esses três grupos de conceitos é que delimitam o campo das polêmicas, tanto na filosofia prática como na jurisprudência.[67]



Ou seja, possuindo-se a análise de três dimensões possíveis ao valor: deontológico/normativo, axiológico e antropológico, percebe-se serem apenas visões academicamente diferenciadas de um mesmo fenômeno aplicável diretamente ao direito: a noção da polaridade bom-ruim e a sua utilização enquanto elemento norteador da conduta humana, seja de forma heterônoma (deontológico), gnosiológica (axiológica), ou autônoma (antropológica).

O aspecto mais relevante na demonstração do valor enquanto ente vetorial na conduta do Ser Humano se encontra nas explanações de Miguel Reale:



[...]- o dever ser pressupõe o valor, e este constitui o pressuposto de qualquer tipo de experiência.

Efetivamente, em virtude da essencial polaridade dos valores e de sua projeção no plano temporal, todo valor atua em triplo sentido, operando:

a) como categoria ôntica: pois se concretiza nas valorações e formas de vida que compõem a trama da experiência humana;

b) como categoria lógica condicionadora das estruturas e modelos que possibilitam o conhecimento tanto do mundo natural quanto do mundo histórico;

c) e, ao mesmo tempo, como categoria deontológica dos comportamentos individuais e coletivos e, por conseguinte, do sentido da história.

Deste modo, os valores desempenham o papel de dinamizadores do processo cultural, em geral, sendo normativos enquanto fontes de fins, ou motivos de agir, eis que o fim é o valor posto e reconhecido racionalmente como razão da conduta. Além de serem instrumentos da vida prática, os valores atuam como fatores constitutivos da vida cultural, uma vez que, sendo expressões da consciência intencional, dão sentido aos atos humanos, vistos estes não apenas como objetos, mas também como objetivos a serem atingidos. [...] Se o homem não fosse capaz de valorar [...] se a vida humana não significasse, em última análise, uma incessante, embora nem sempre bem lograda, “experiência de valores”, nem mesmo se poderia falar em ciência.[68] (grifo nosso)



Quer dizer: a tessitura da experiência humana é compreendida, racionalmente, na existência, e vivência, de valores. Viver, compreendendo a própria existência, é ter, buscar e compreender os valores, seja em sentido ontológico (a concreção de valores), lógico (condicionante da compreensão existencial), ou deontológico (onde o sentido da vida, e da vida coletiva, história, é realizado em função da percepção da relevância dos valores). Afinal:



[...] quanto maior a liberdade de ação – ou seja, quanto mais afastada dos processos da natureza – mais entra em jogo, finalmente, a concepção de uma personalidade que encontra auto-realização na harmonização constante de seu ser íntimo com valores últimos e significados de vida definidos [..][69] (grifo nosso)



É absolutamente relevante conhecer os objetos culturais porque estes são produtos diretos da ação humana e, sendo o Direito resultado da atuação do Homem, é pressuposto gnosiológico o entendimento analítico, racional e eidético, deste objeto que abarca, diretamente, o Direito.

Então, os objetos culturais são quaisquer objetos ao qual atribuímos valor. Ao se atribuir valor, compreende-se que os objetos culturais são compostos de um suporte (o próprio objeto), e um significado (o valor a ele atribuído).

Atribuindo-se um valor aos objetos ocorrerão consequências apodíticas: o objeto terá uma função ao indivíduo, orientando sua conduta em direção ou afastamento do objeto valorado.

Enfim: conhecidos os objetos culturais; explicitadas as condições gnosiológicas, metodológicas e ônticas para a produção de ciência, conteúdo imediato do ensino; possuindo-se o significado e relevância do valor enquanto ente vetorial da ação humana, cabe conhecer o objeto específico do ensino jurídico, qual seja: o fenômento jurídico.


Continuando a matéria, vimos quais são as formas de controle sobre a conduta humana:
Moral: divide-se em objetiva (conjunto de valores hipostasiados[1], existentes, na sociedade) e subjetiva (conjunto de valores internalizados pelo sujeito).
Ética: conjunto de valores teleológicos (ou seja: existem para a realização de uma conduta social relevante, uma profissão, por exemplo).
Direito: conjunto de valores indisponíveis à consciência humana.
É uma forma de controle porque permite (controle: do francês contra-rolo, gabarito – diz o que deveria ser) avaliar (comparar o que é com o que deveria ser) e, estando a conduta em desacordo com determinados valores, punir essa conduta.
Assim, a punição de uma conduta moralmente defesa (proibida) é, objetivamente, rejeição pelo grupo, subjetivamente, sentimento de culpa, remorso.
Já a punição ética é, no extremo, a proibição de determinada atividade (graduando-se desde admoestação, advertência, suspensão e expulsão).
Já o Direito é o conjunto de valores indisponíveis à consciência humana. O que isto significa? Que todos estão submetidos aos valores do Direito (lembrar que valores=princípios - Robert Alexy).
Assim, o próximo passo é apresentar os valores fundamentais do Direito para que se conheça quais condutas poderão ser submetidas ao seu arbítrio (jurisdição), assunto dos próximos encontros.

            O Direito, por meio de escolha Democrática, define quais serão os valores a serem protegidos em um determinado Estado (daí Estado de Direito) que são indisponíveis à consciência humana. Quer dizer, não dependerá apenas da moral, mormente a subjetiva, não abarcará elementos teleológicos específicos, como as diferentes atividades humanas.



[1] Considerar algo não concreto (ideia, conceito, ficção etc.) como sendo real.
   Fonte:

Resumo Direito Internacional - 2011.2 Prova 1º bim. *Compilação

Compilação[1] para a prova de Direito Internacional – 2011.2.1
Paradigmas do Direito Internacional

“Direito internacional e direito interno: teorias em confronto.

Para os autores dualistas — dentre os quais se destacaram neste século Carl Heinrich Triepel, na Alemanha, e Dionisio Anzilotti, na Itália —, o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional. Os autores monistas dividiram-se em duas correntes. Uma sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito internacional reponta como uma faculdade discricionária. O monismo internacionalista teve em Hans Kelsen seu expoente maior, enquanto a vertente nacionalista encontrou adeptos avulsos na França e na Alemanha, além de haver transparecido com bastante nitidez, entre os anos vinte e os anos oitenta, na obra dos autores soviéticos.
Nenhuma dessas três linhas de pensamento é invulnerável à crítica, e muito já escreveram os partidários de cada uma delas no sentido de desautorizar as demais. Perceberíamos, contudo, que cada uma das três proposições pode ser valorizada em seu mérito, se admitíssemos que procuram descrever o mesmo fenômeno visto de diferentes ângulos. Os dualistas, com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção das normas jurídicas,
lembrando sempre os limites de validade de todo direito nacional, e observando que a norma do direito das gentes não opera no interior de qualquer Estado senão quando este, havendo-a aceito, promove-lhe a introdução no plano doméstico. Os monistas kelsenianos voltam-se para a perspectiva ideal de que se instaure um dia a ordem única, e denunciam, desde logo, à luz da realidade, o erro da idéia de que o Estado soberano tenha podido outrora, ou possa hoje, sobreviver numa situação de hostilidade ou indiferença frente ao conjunto de princípios e normas que compõem o direito das gentes. Os monistas da linha nacionalista dão relevo especial à soberania de cada Estado e à
descentralização da sociedade internacional. Propendem, dessarte, ao culto da constituição, estimando que no seu texto, ao qual nenhum outro pode sobrepor-se na hora presente, há de encontrar—se notícia do exato grau de prestígio a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras. Se é certo que pouquíssimos autores, fora do contexto soviético, comprometeram-se doutrinariamente com o monismo nacionalista, não menos certo é que essa ideia norteia as convicções judiciárias em inúmeros países do ocidente — incluídos o Brasil e os Estados Unidos da América—, quando os tribunais enfrentam o problema do conflito entre normas de direito internacional e de direito interno.” Compilação do Livro “REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8 ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2000”
                                                                                                                                               
Fontes do Direito Internacional

“Fontes do DI: constituem os modos pelos quais o Direito se manifesta, ou seja, as maneiras pelas quais surge a norma jurídica. São os meios formais do DI.
Não se pretende com isto negar a existência das fontes materiais (os elementos históricos, sociais e econômicos). Porém, ao direito positivo, só interessam as fontes formais. Exemplo: um Tratado é fonte formal do DIP. [Conforme posição apresentada em sala, as fontes formais são meros veículos normativos das fontes materiais]
Quanto às fontes formais existem duas concepções ou versões:
1ª) POSITIVISTA OU VOLUNTARISTA: Para essa corrente a fonte formal é a vontade comum dos Estados, que pode ser expressa nos tratados e tácita nos costumes.
Entretanto, esta concepção é insuficiente para explicar uma das fontes do DI, que são costumes, vez que a norma costumeira, sendo geral, torna-se obrigatória para todos os Estados membros da sociedade, até mesmo para aqueles que não manifestaram sua vontade no sentido de aceitá-la, sendo obrigados a obedecê-la.
É a concepção mais adotada atualmente. Faz distinção entre as fontes formais e as fontes materiais. As fontes materiais são os elementos histórico, econômico e social que dão origem às fontes formais, que são as normas que regulam as relações entre as pessoas de DI.
Entretanto, as fontes materiais são estudadas apenas para sabermos as origens das fontes formais, porque elas não pertencem ao Direito Positivo, ao qual só interessa a fonte formal. Assim, a fonte formal é um simples reflexo da fonte material.
Os doutrinadores têm sido unânimes na apresentação da imagem do curso de água para distinguir as fontes formais das fontes materiais. Observam eles que, se seguirmos um curso de água, encontraremos a sua nascente, que é a sua fonte, isto é, o local onde surge a água. Esta é a fonte formal. Todavia, existem diversos outros fatores (ex.: composição do solo, pluviosidade, etc.) que fizeram com que a água surgisse naquela região. Esses elementos que provocam o aparecimento das fontes formais são denominados de fontes materiais.
Assim se classificam as fontes de DIP, segundo QUADRI:
a) fontes primárias: são aquelas que orientam, norteiam a ordem jurídica internacional. É o que se chama de princípios. São os princípios constitucionais da ordem jurídica internacional.
- pacta sunt servanda (o tratado deve ser cumprido)
- consuetudo est servanda (respeito ao costume e à norma costumeira).
- princípio da interdependência do Estado, e
- princípio da permanência e continuidade do Estado.
O novo governo para ser reconhecido deve declarar que manterá os compromissos constitucionais vigentes.
b) fontes secundárias: são os tratados e costumes baseados nos princípios constitucionais. Em outras palavras, têm fundamento nas fontes primárias.
c) fontes terciárias: são as outras fontes. Se apoiam nas fontes secundárias. Exemplos: atos unilaterais, atos convencionais, atos mistos.
QUANTO AO ENUNCIADO DAS FONTES:
As fontes formais do DI encontram-se enunciadas num texto em vigor, que é o ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, o principal Tribunal das Nações Unidas, que as utiliza na solução dos litígios que lhe são apresentadas. Não é o Poder Judiciário face à descentralização da Ordem Internacional.
O art. 38 do Estatuto da CIJ enumera as fontes formais do DIP:
a) CONVENÇÕES INTERNACIONAIS - Regras
b) COSTUME INTERNACIONAL
c) PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES CIVILIZADAS (Europa, Estados Unidos e América Latina)
d) AS DECISÕES JUDICIÁRIAS E AS DOUTRINAS DOS PUBLICISTAS QUALIFICADOS (com ressalva do art. 59)
Pode, ainda, a Corte decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isso concordarem. É a decisão por equidade (só entre as partes), mas só com a concordância das partes.” Referência:  

Fenômeno Convencional: A Personalidade Jurídica Internacional

“Professor Guido Soares

۩. Introdução
O conceito de sujeito de direito, em qualquer ordenamento jurídico, é o reconhecimento por ele operado, daquelas pessoas, indivíduos ou coletividades de indivíduos, ou mesmo outros determinados fenômenos, que são titulares de direitos e obrigações. A personalidade jurídica é um “status” conferido pelo sistema jurídico a pessoas ou entidades, através de uma qualificação operada por critérios determinados exclusivamente pelo próprio sistema jurídico, os quais, além de definir quais fenômenos constituem um sujeito de direito, ainda fixa-lhes os conteúdos e a extensão dos respectivos direitos e obrigações. Como qualquer definição no campo do direito, trata-se de uma operação normativa concomitante:  uma tipificação e também uma criação, uma atribuição de direitos e deveres ao tipo de titular assim definido. Contudo, não é qualquer conceito, criação organizacional, ou situação que merecem ser tratados como sujeitos de direito, mas tão somente aqueles fenômenos que o ordenamento jurídico, de maneira formal, reconhece como tais.
Trata-se, pois, de uma criação no mundo normativo, levada a cabo, com exclusividade, pelas normas jurídicas, que, na sua atuação, independem de qualquer outra linguagem (neste sentido, o direito é uma linguagem que se autobasta), como o da Sociologia, Economia ou da Ciência Política, nomeadamente, da Política Internacional. Assim sendo, o conceito de “atores internacionais”, extremamente importante na Política Internacional, sem dúvida mais generoso e mais rico de conseqüências que o de “sujeito de Direito Internacional”, não tem qualquer serventia para o Direito Internacional Público. Não se pode negar a importância da mídia internacional nas relações internacionais, mas esta é uma realidade inexistente no Direito Internacional, da mesma forma que os partidos políticos ou as empresas multinacionais. Por outro lado, um movimento de libertação nacional, como a Organização de Libertação da Palestina, tem uma realidade no Direito Internacional, como se verá a seguir, não porque seja um relevante ator internacional, mas unicamente porque o Direito Internacional lhe confere alguns atributos de “sujeito de Direito Internacional”.
Ser sujeito de Direito Internacional, não se confunde com a situação de ser destinatário de suas normas, nem com as entidades ou fenômenos que possam estar nelas mencionados, a título de proteção ou de evitar-se sua presença. Parece-nos que os conceitos de sujeito ativo e sujeito passivo sejam problemáticos em Direito Internacional, uma vez que, conquanto as normas jurídicas tutelem os interesses e até mesmo os direitos subjetivos ou as obrigações de determinadas pessoas, não significa terem as mesmas o atributo de sujeito daquele Direito. É o caso, cada vez mais freqüente, devido à globalização vertical crescente na atualidade, de as normas internacionais mencionarem, diretamente, as pessoas nos ordenamentos internos dos Estados, em quem se canalizam os direitos e deveres; a exemplo, o explorador de uma central nuclear, o proprietário do navio, os responsáveis por um estabelecimento comercial ou de pesquisa (em questões de responsabilidade civil, respectivamente,  por danos nucleares, por poluição marinha por óleo e por lançamento ao meio ambiente de produtos a este danosos). Por outro lado, seria um rematado absurdo atribuir-se personalidade jurídica aos ursos polares, aos animais  e plantas em perigo de extinção, e mesmo a cavernas, formações corais, montanhas, monumentos históricos, obras de arte, fenômenos esses que, no entanto, se encontram expressamente tutelados em inúmeras convenções internacionais, das quais mencionamos a CITES[1]  e a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Natural e Cultural da Humanidade, assinada em Paris (UNESCO), a 1972[2].
Da mesma forma, conceitos bastante atraentes, como “humanidade”, “comunidade internacional”, aparentemente seriam sujeitos de Direito Internacional, caso partíssemos do pressuposto de que a mera constância em tratados e convenções internacionais, lhes pudesse conferir a personalidade jurídica! Na verdade, a humanidade tem reconhecido “seu interesse”[3] e conta mesmo com um seu “patrimônio comum”[4], conforme expressamente dispõem tratados e convenções internacionais, bem como a “comunidade de Estados no seu conjunto”[5] tem seus poderes jurídicos. Mas nem porisso, são tais entidades pessoas de Direito Internacional Público, pela simples razão de que este Direito não lhes reconhece tal atributo.
O fato é que a atribuição de uma personalidade jurídica a qualquer fenômeno, além de ser uma operação de individualização realizada pelo Direito Internacional Público, segundo seus exclusivos critérios, os quais são determinados pelas suas normas, essas, reveladas pela interação de suas fontes,  é, igualmente, uma operação que atribui, não de maneira automática, mas segundo critérios igualmente  normativos, determinados direitos e deveres, na medida e na extensão em que tais normas igualmente os definem. Conforme veremos, as organizações intergovernamentais e a pessoa humana, na atualidade, são sujeitos de Direito Internacional, mas não têm os mesmos poderes e não gozam da plenitude dos direitos e deveres atribuídos aos Estados, tendo em vista que as normas do Direito Internacional lhes trata de maneira substancialmente diferenciada.

۩. Os Estados

O Estado é uma forma de organização da sociedade, que emergiu, de maneira espontânea, no momento histórico em que o poder de um  governante se tornou exclusivo sobre um território, passando as pessoas e coisas a serem submetidas a seu poder jurisdicional, em virtude de dois vínculos possíveis, concomitantes ou exclusivos: uma simples situação de nele estar e por possuírem sua nacionalidade. A realidade jurídica e política que é o Estado, nascido no Séc. XVI, conforme já expusemos, teria um posterior desenvolvimento na história das instituições e fatos sociais, em direção a uma despersonificação do poder, ao mesmo tempo em que se estabeleciam limites à abrangência territorial e pessoal das suas competências.
Existe uma definição formal do Estado, na Convenção Panamericana de Montevidéu de 1933 sobre Direitos e Deveres dos Estados (no Brasil promulgada pelo Decreto no 1.570 de 13/04/19370), assim redigida: “O Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes requisitos: a) população permanente; b) território determinado; c) Governo; e d) a capacidade de entrar em relações com os demais Estados”. Na doutrina, inexiste discrepância quanto à três primeiras condições da personalidade internacional dos Estados; quanto ao quarto, parece que a capacidade de entrar em relação com outros Estados é mais uma conseqüência da personalidade do que propriamente um elemento constitutivo da mesma. Outras teorias acrescentam o reconhecimento internacional do Estado como um elemento de sua personalidade; a nosso ver, embora seja um fator importante para o exercício da plenitude de seus poderes, contudo, o reconhecimento não é um ato constitutivo, pois a ninguém ocorreria atribuir a existência da República Popular da China, somente a partir de 1971, data de sua admissão na ONU[6], a mais clara e formal expressão daquele reconhecimento internacional! Tais pontos, como outros relativos ao nascimento do Estado, serão examinados no Cap. 11 do presente Curso.
Para o Direito Internacional da atualidade, o Estado apresenta-se como uma pessoa indivisa,  independentemente de sua organização interna, seja esta na forma de Estados unitários ou Estados federais. Outras formas como as uniões pessoais ou reais[7] ,destas últimas, com destaque para as confederações de Estados[8], existentes em séculos passados, desapareceram na atualidade. A questão do tipo de organização interna dos Estados é assunto que refoge ao Direito Internacional, constituindo-se o denominado “domínio reservado dos Estados”, mas ainda permanecem algumas questões que merecem ser citadas: o caso dos EUA (que, segundo o seu direito interno, admitem a possibilidade dos Estados federados subscreverem tratados internacionais com os vizinhos, em assuntos de competência dos mesmos e não da União), do Canadá (a Província de Quebec mantém uma embaixada em Paris) e os casos da Bielorússia (Rússia Branca) e Ucrânia, que ao tempo da existência da URSS, tinham assento, com voz e voto, juntamente com esta, nos órgãos da ONU, salvo no Conselho de Segurança, que era ocupado exclusivamente pela URSS. Restou de tais fenômenos, em que um Estado, em princípio, poderia apresentar-se com várias representações frente ao Direito Internacional, e para evitar-se tal fenômeno, em particular  para as eventualidades de um Estado querer subtrair-se às obrigações de um tratado multilateral, ao invocar sua organização constitucional interna, como composto de entidades soberanas,  emergiu a prática da denominada “clausula federal”: os Estados signatários de tratados, em virtude da mesma, comprometem-se a aplicar as normas avençadas, para qualquer eventual partição política ou jurídica que exista no interior de seu ordenamento jurídico nacional[9]. 
Associado ao Estado como pessoa de Direito Internacional, acha-se o conceito de soberania (que não deve ser confundido com “governo”), elemento que realiza a interdependência recíproca e necessária entre os três elementos componentes do Estado. Há uma distinção de certa forma didática, mas discutível quando à sua virtualidade, pois introduz fissuras num conceito tão compacto quanto o de soberania e faz supor duas realidades mutuamente impenetráveis uma noutra (o interno e o internacional); soberania interna (exclusividade de poderes normativos e de ação política no relativo ao sistema jurídico interno) e soberania externa (elemento que mais precisamente definiria a personalidade do Estado, no universo das relações internacionais e que marcaria sua individualidade). Os contornos conceituais do que seja soberania têm variado ao longo da história, e refletem as variações da própria concepção das finalidades e da gênese do Direito Internacional: um poder ilimitado, que mal conviveria com a presença de outros Estados, na medida em que representava a vontade dos monarcas absolutistas, um poder auto-limitado (evidentemente numa concepção que desprezava o fenômeno limitações inerentes num relacionamento internacional e se centrava num fenômeno isolado da vontade de um super-poder, ao gosto de um Hegel) e de um poder absoluto, limitado desde afora, por um conjunto mínimo de regras de autocontenção (concepção dominante no Séc. XIX e que teria uma expressão extemporânea com o Caso Lotus). Neste Caso, julgado em 1927 pela CPJI, a França, inconformada com a condenação do comandante francês do navio Lotus, que tinha abalroado em alto mar um vapor turco e causado a morte de marinheiros desta nacionalidade, discutia se a Turquia poderia, segundo o Direito Internacional, ter exercido sua jurisdição penal, para punir crimes cometidos em alto mar contra nacionais deste país[10]. A sentença da CPJI foi no sentido de que inexiste regra de Direito Internacional que proíba um Estado estender sua jurisdição penal a fatos ocorridos em alto mar (a CPJI considerou, de modo muito estranho, que o crime teria, por uma ficção, ocorrido em território turco: o navio desta nacionalidade), e, na parte em que tem sido criticável, por voto de desempate do seu presidente, deu como razão de decidir, o argumento de que os Estados tudo podem, salvo aqueles comportamentos expressamente proibidos pelo Direito Internacional.
Contudo, por mais avassalador que tenha sido a introdução do conceito de interdependência, tida como condição necessária nas relações internacionais e a afirmação da tônica da cooperação como um dos traços primordiais do Direito Internacional, ainda permanecem firmes, em primeiro lugar,  os conceitos que constituem os pressupostos daquele Direito, ou seja, a soberania dos Estados e sua independência, e em segundo, a existência de deveres internacionais correlatos a tais situações subjetivas. No que diz respeito a deveres internacionais, que limitam os poderes dos Estados, são eles referíveis ao exercício da competência territorial ( a) não ingerência nos negócios internos de outros Estados e b) ao estabelecimento de restrições a atividades que importam numa utilização imoderada dos respectivos territórios) e  ao exercício da competência sobre pessoas e bens  sob a jurisdição dos Estados. Tais fenômenos serão estudados, respectivamente, nos Capítulos 13 e 14 desta obra.
A nosso ver, uma descrição dos direitos e deveres dos Estados, decorrentes de sua personalidade de Direito Internacional, melhor seria enfocada, a partir de uma comparação com  os poderes e faculdade de outras pessoas de direito internacional, em particular, as organizações intergovernamentais. Para tanto, adotaremos a enumeração do que o Prof. P-M. Dupuys[11] denomina de “capacidades internacionais do Estado”, arroladas em “cinco categorias fundamentais”, e acrescentaremos nossas observações.
A primeira categoria, é a “capacidade de produzir atos jurídicos internacionais”. Neste particular, é lapidar os conceitos expedidos no julgamento da CPJI em 1923, no Caso do Vapor Wimbledon, “verbis”: “Sem dúvida, qualquer convenção... aporta uma restrição ao exercício dos direitos soberanos do Estado, no sentido de que ela imprime a este exercício uma direção determinada. Mas a faculdade de contratar compromissos internacionais é precisamente o atributo da soberania do Estado”.  Somente os Estados têm o poder de instituir obrigações válidas “erga omnes”, através de tratados ou convenções internacionais, conforme regulados pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969.  São tais atos as fontes mais claras do Direito Internacional Público e os limites à iniciativa dos Estados são praticamente inexistentes, na consciência generalizada atual, apenas determinados pelas normas do “jus cogens”. As organizações intergovernamentais podem obrigar-se através de atos menos solenes, em geral bilaterais, que criam obrigações restritas, tendentes a ser atos administrativos de execução de tarefas pactuadas (e menos atos de criação de normas gerais) entre de um lado, estas pessoas, e de outro, os Estados[12] ou outras organizações intergovernamentais[13]; sua atuação em matéria normativa, nos poucos casos que há, produz, como já visto, normas unilaterais de Direito Internacional, cujos efeitos “interni corporis” ou “erga omnes”, são estritamente regulados pelas normas dos tratados multilaterais, em particular, os tratados-fundação.
A segunda categoria é a “capacidade de verem-se imputados fatos ilícitos internacionais”, ou melhor dito, a capacidade de os Estados integrarem como partes, as obrigações internacionais de reparação de danos, originadas de um ilícito internacional, (danos decorrentes de ações ou omissões, que acarretem uma violação de uma obrigação internacional e causem um dano a outro Estado), seja no pólo do devedor, seja no pólo de credor das obrigações. Quanto às organizações intergovernamentais, o assuntos é polêmico, no que se refere a situações em que as obrigações de reparação de danos devidas a Estados, lhes é imputável: em geral, nos tratados-fundação ou em outros atos multilaterais que definem a personalidade da organização intergovernamental, há dispositivos sobre a existência e limites à sua responsabilidade civil e administrativa (neste último aspecto, devendo-se dizer da existência de um Tribunal Administrativo na OIT e na ONU, para as questões trabalhistas e previdenciárias entre as organizações e seus funcionários).
No que se refere à imputabilidade de atos ou fatos a pessoas de direito interno, indivíduos ou empresas, é necessário distinguir tratar-se: a) da responsabilidade tradicional dos Estados (responsabilidade subjetiva, ou por culpa), onde inexiste a possibilidade de presença do indivíduo ou empresa privada como um dos pólos de relacionamento com os Estados, ou b) da responsabilidade objetiva ou por risco, também denominada “responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional”, criação recente de tratados multilaterais no domínio da proteção do meio ambiente, a partir dos anos 1960, na qual a regra internacional, ou canaliza a responsabilidade no Estado causador do dano (Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, adotada em Londres, Moscou e Washington, a 22 de março de 1972 e no Brasil promulgada pelo Decreto nº 71.981 de 22/III/1972), ou institui a norma de canalizar a responsabilidade em pessoas de direito privado (casos de poluição do mar por óleo, por danos nucleares, pelo transporte marítimo de substâncias perigosas, e muito recentemente, por questões relativas à biossegurança[14], sem contar aquelas de âmbito regional sobre assuntos tópicos). A questão será esmiuçada no Cap. 9 desta obra.
A terceira categoria constitui a “capacidade de acesso aos procedimentos contenciosos internacionais”,  seja os diplomáticos (negociações, bons ofícios, mediação, procedimentos investigatórios e conciliação) seja os jurisdicionais (arbitragem e acesso irrestrito e por direito próprio, aos procedimentos dos tribunais internacionais da atualidade). As organizações intergovernamentais, como pessoas de Direito Internacional, podem servir de foros onde aqueles procedimentos são levados a cabo, e seus órgãos, em particular os unipessoais, como o Secretário Geral da ONU, podem ser os agentes de aplicação dos citados procedimentos diplomáticos: destaque-se, ademais que a CIJ é um órgão da ONU. Num caso que envolveu uma dúvida da Assembléia Geral da ONU, sobre a possibilidade de um pedido de reparação de danos causados a um funcionário da ONU, intentadas contra um Estado, a CIJ, no Parecer Consultivo  sobre Reparação de Danos Sofridos a Serviço das Nações Unidas, de 11/04/1949, por vezes referido como “Caso Bernardotte”[15], reconheceu a personalidade jurídica da ONU, e que portanto pode introduzir uma reclamação contra Estados, nos casos de danos causados a seus funcionários (a título de danos causados à própria organização, tendo reconhecido existirem direitos inerentes a uma “proteção funcional, assimilável ao da “proteção diplomática”, tradicional, que os Estados conferem a seus nacionais e que permite a estes assumir como deles, os direitos subjetivos a uma reparação, conferidos a pessoas físicas ou jurídicas). Contudo, as organizações internacionais não podem integrar os pólos ativos ou passivos dos procedimentos em que um Estado esteja envolvido (pense-se numa arbitragem entre a ONU e um Estado!) e no caso da CIJ, a jurisdição deste tribunal internacional, no caso de um litígio entre uma organização intergovernamental e um Estados ou outras organizações intergovernamentais, se restringe à emissão de Pareceres Consultivos, conforme art. 34 § 1o  e art. 65 §1o e 2o, todos do Estatuto. Excetuam-se os casos das integrações econômicas regionais do tipo mercado-comum, como se sabe, nas quais existem tribunais regionais onde se admitem como partes os Estados Membros, os órgãos das organizações intergovernamentais e pessoas físicas ou jurídicas, bem como o caso do Tribunal Internacional do Mar, instituído pela Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar, de 1982. No caso da pessoa humana, seu acesso a procedimentos arbitrais contra Estados e em procedimentos judiciários em tribunais internacionais, será melhor visto na Seção 7.3 deste Capítulo, mais além.
Na quarta categoria, inclui-se a  “capacidade de tornarem-se membros e de participar plenamente da vida das organizações internacionais intergovernamentais”. A plenitude de tais direitos diz respeito à possibilidade de integrar os membros componentes de órgãos colegiados de tais organizações intergovernamentais, e o direito de compor a formação da vontade das mesmas (direito a voz e voto), devendo observar-se, contudo, que tais direitos podem estar condicionados pelas normas dos tratados fundação das organizações intergovernamentais. Pode dizer-se que as delegações de organizações intergovernamentais junto a outras organizações intergovernamentais, não possuem aqueles direitos frente a estas e, na maioria das vezes, seus delegados são acreditados nas reuniões ordinárias ou extraordinárias, na qualidade de meros observadores, sem direito a voz e voto.
E, enfim, a quinta categoria, “a capacidade de estabelecer relações diplomáticas e consulares com outros Estados”, denominado direito de legação, resulta no direito de enviar representantes próprios junto a outros Estados ou organizações (direito de legação ativo) e no dever de receber e acreditar representantes de outros Estados em seus territórios  (direito de legação passivo); tal capacidade dos Estados é uma das mais tradicionais, atualmente regulada por duas Convenções multilaterais: de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e de Viena sobre Relações Consulares de 1963, além de um relevante costume internacional e de um tratamento generalizado nas legislações internas dos Estados. Na atualidade,  a capacidade de estabelecer relações diplomáticas (não porém relações consulares), é uma faculdade conferida, igualmente, a organizações intergovernamentais, porém com limitações quanto a assuntos e interesses das pessoas representadas e sem a totalidade dos privilégios e imunidades conferidos aos representantes de Estados.
 Acreditamos que existem outras categorias de capacidades internacionais do Estado. Uma que merece destaque é a de exercer, frente a outros Estados, uma efetiva e legítima proteção a pessoas físicas e jurídicas que os Estados consideram como seus nacionais. Tais faculdades, decorrentes de um forte vínculo que existe entre o Estado e tais pessoas, a nacionalidade, expressam-se nos institutos da proteção diplomática e nos direitos de estabelecimento de relações consulares, fenômenos bastante claros no Direito Internacional, profusamente reveladas por várias de suas fontes. Quanto a tais faculdades conferidas às organizações intergovernamentais, inexiste entre as mesmas e as pessoas físicas ou jurídicas a ela diretamente relacionadas, conexões tão fortes como a nacionalidade; trata-se de um tipo de vinculação de caráter contratual (contratos de trabalho ou contratos administrativos entre a organização e seus funcionários), que institui o que o referido Parecer Consultivo da CIJ no Caso Bernardotte denominou de “proteção funcional” (o funcionário da organização ou as pessoas físicas ou jurídicas que se vinculam com a organização internacional), as quais retiram sua validade de normas especiais (os tratados fundação e os atos unilaterais de caráter normativo baixados pelas organizações intergovernamentais).
A SOBERANIA DOS ESTADOS
Perante a nova realidade internacional, a soberania estatal deve ser vista em função da sua capacidade de ação interna (submissão da massa humana – obediência civil) e ação externa (expressão do poder):
Então, lembramos da teoria sobre o Poder: Viu-se que o poder é composto pelo:
a)      Império, assembléia dos fortes: (ativo- forças armadas; passivo- justiça). Ativo é a sua concentração, passivo é a sua dispersão.
b)      Dieta, assembléia dos produtores: (ativo- capitalistas; passivo- operários). Oikos nomia: regras da casa;
c)      Igreja, assembléia dos sábios: (ativo- cultura; passivo- tradição). Cultura enquanto produção de objetos culturais e tradição enquanto objetos que tenham sido transmitidos entre gerações.

Conhecidos os tipos existentes de Poder (capacidade de destruir, construir e conduzir), notou-se que não seria possível a existência do Direito se não houvesse a participação desses tipos ideais. Ou seja: uma decisão jurídica não será respeitada se não tiver força, poder. Um Estado não terá soberania sem Poder. Importante lembrar o Poder de Igreja e sua capacidade decisória, principalmente em relação à Formação de Consenso (conforme texto já fornecido).

۩. As organizações intergovernamentais e as Ongs

As organizações intergovernamentais, juntamente com as organizações não governamentais, as denominadas ONGs, são criaturas resultantes da vontade dos Estados ou de pessoas de direito interno, que, à semelhança do que ocorre nos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados, têm uma existência como uma pessoa coletiva, que não se confunde com os indivíduos ou as entidades que as constituíram ou que as compõem. Na verdade, no Direito Internacional tradicional, sobretudo na doutrina, quando existe referência a organizações coletivas instituídas por Estados e integradas por seus representantes,  diz-se “organização internacional”, talvez porque as ONGs somente após 1960 se tenham tornado mais atuantes, como relevantes atores internacionais e, portanto, os questionamentos sobre sua personalidade jurídica se tenham suscitado com mais freqüência. Contudo, são realidades que emergiram, na História, nos finais do Séc. XIX, as organizações intergovernamentais têm crescido em importância, dadas as necessidades impostas pelas realidades e os deveres de cooperação entre Estados e as ONGs, por uma expansão das facilidades de intercâmbio de pessoas e de informações técnicas e científicas, correlatas a um natural associativismo da pessoa humana, em particular, à vista da maior eficácia na defesa de interesses comuns, em quaisquer partes do mundo, quando empreendida por ações coordenadas. ***
Tantos as organizações intergovernamentais quanto as ONGs, resultam de um ato de vontade, no primeiro caso, de Estados, consubstanciados num tratado ou convenção multilaterais, estritamente regulados pelo Direito Internacional, e no segundo, de atos instituidores, celebrados entre particulares, com ou sem a interveniência de órgãos públicos, regidos por leis internas de algum Estado.
Ora, como se sabe, os fenômenos volitivos,  para que possam produzir efeitos jurídicos, necessitam do reconhecimento de tais virtudes, por uma norma jurídica, que se encontra fora do sistema obrigacional instituído pela vontade (pois se a vontade fosse suficiente para ela mesma produzir efeitos jurídicos, bastaria ela mesma declarar serem válidos suas manifestações, o que haveria uma petição de princípio de dar-se por provado, o que se necessita provar). A nosso ver, a simples declaração, num tratado fundação de que uma organização intergovernamental tem personalidade jurídica, não é suficiente para conferir-lhe tal “status”, nem para, de tal fato, seguirem-se atribuições de capacidades indeterminadas no campo do Direito Internacional.
No caso das organizações intergovernamentais, há o costume internacional, de os Estados reconhecerem a personalidade jurídica das mesmas, de maneira indireta, como comprovam os atos celebrados entre os Estados anfitriões das sedes ou das reuniões celebradas em seus territórios (nos quais se reconhecem responsabilidades civis, administrativas e financeiras às organizações intergovernamentais, se outorgam privilégios a bens e serviços das organizações intergovernamentais, ao pessoal a seu serviço e às suas comunicações oficiais com o exterior). Em todos os Estados, pelo menos naqueles em que existem representações diplomáticas das organizações intergovernamentais, há dispositivos que reconhecem as mesmas como pessoas jurídicas, o que configura um princípio geral de direito.  Como se não bastassem tais fontes do Direito Internacional, ainda, em 1949, a CIJ, no citado Parecer Consultivo no Caso Bernardotte, afirmaria que a ONU, “sendo titular de direitos e obrigações, possui, numa larga medida, uma personalidade internacional e tem capacidade de agir no plano internacional, ainda que não seja ela, por certo, um super-Estado”.
Em um trabalho anterior[16], em que analisamos as ONGs, dado que estas organizações se definem de modo negativo em relação às organizações intergovernamentais (então abreviadas para OIs), traçamos os elementos característicos destas, que agrupamos em três, nos seguintes termos:
...o primeiro traço característico de uma OI é sua instituição através de um tratado ou convenção internacional[17], bilateral ou, como regra, multilateral, que, por sua natureza, constitui o ato fundador daquela; o conteúdo de tal tratado ou convenção pode ser variado, seja de simples instituição de uma OI, seja de normas de finalidades variadas, junto das quais se constitui uma organização “ad hoc” para a aplicação das mesmas. Dado seu caráter fundador, tais tratados ou convenções, por vezes levam o nome de Carta, Constituição, Pacto, ou Estatuto. Contudo, nem sempre a existência de um tratado-fundação, é condição para que uma OI passe a gozar de uma personalidade jurídica reconhecida pelo Direito Internacional Público (inda que sem aquela plenitude de poderes, situação somente concedida aos Estados, individualmente), conforme se pode provar pela empresa Itaipu Binacional, entidade instituída por um tratado internacional entre o Brasil e Paraguai e que, no entanto, não se constitui como organização intergovernamental (mesmo porque aqueles tratados dispuseram tratar-se de empresa de prestação de um serviço público, a geração de energia elétrica, a partir de potenciais hidrelétricos havidos em comum entre ambos os países, com seu capital integralizado por quotas fornecidas por pessoas jurídicas de direito público interno de cada país), conquanto seu Estatuto seja um ato internacional interestatal[18].
Ainda conforme a doutrina generalizada dos internacionalistas, a segunda característica de uma OI é possuir ela, na sua inteireza ou pelo menos, em algum de seus órgãos, poderes decisórios que não dependem da vontade de nenhum Estado em particular: a vontade de tal órgão deve representar uma decisão da pessoa coletiva, estabelecida segundo procedimentos fixados nas normas de seu tratado-fundação. Tal capacidade de tomar decisões e elaborar normas, independentemente da vontade individual de dois ou mais Estados,  é o elemento que mais distingue uma OI, daqueles órgãos instituídos em acordos bi- ou multilaterais, em que se instituem Comissões Mistas, compostas de funcionários de cada Estado-parte.
Nas OIs,  conquanto haja órgãos unicamente compostos de funcionários estatais (integrados pelos delegados dos Estados partes, nas reuniões ordinárias ou extraordinárias[19]), mesmo naqueles casos em que as decisões se encontram alocadas a certos Estados (critérios de votos ponderados ou de procedimentos que privilegiam determinados Estados, como no caso do Conselho de Segurança da ONU),  suas decisões são atribuídas a uma entidade coletiva com personalidade distinta dos Estados componentes da mesma.
Por outro lado, nem a possibilidade de existirem colegiados que se reúnem ordinariamente em datas marcadas, compostos de funcionários estatais, nem a existência de um corpo permanente de funcionários internacionais, em princípio desligados de qualquer subordinação àlgum Estado[20] parte de um tratado bi- ou multilateral, tidos como pessoas a-nacionais, são fatores que, necessariamente, garantam tratar-se de uma OI.
A nova engenharia normativa dos tratados multilaterais de proteção internacional ao meio ambiente, consubstanciada na adoção generalizada dos tratados-quadro[21] (tratados constituídos de normas gerais e vagas, cujo conteúdo é estabelecido ou especificado em deliberações tomadas em reuniões periódicas dos Estados partes, as Conferências das Partes, estas, portanto com iguais poderes que os plenipotenciários, no momento da adoção daqueles tratados-quadro), bem como a existência de inúmeros secretariados internacionais, com extensos poderes em relação aos Estados partes (sobretudo quanto à verificação de adimplemento das normas internacionais ou ainda, à segurança e uniformidade na sua aplicação[22]), nem sempre transformam aquelas reuniões periódicas de delegados de Estados, ou aqueles secretariados, em componentes de uma organização internacional.
O terceiro elemento caracterizador das OIs, é o fato de serem elas regidas pelo Direito Internacional Público, e não por qualquer direito nacional de algum Estado. Sobretudo,  a partir do final da Segunda Guerra Mundial, tem sido admirável a proliferação de entidades criadas entre Estados,  para fins de controlar ou diretamente prestar serviços públicos, que, pela sua natureza, extrapolam os seus territórios e, portanto, exigem uma regulamentação em nível internacional. Entidades internacionais são estabelecidas, seja por acordos entre Estados, seja por atos das respectivas Administrações (direta ou indireta), consubstanciados em atos por eles delegados. 
Na verdade, a teoria e a realidade das OIs têm tido, nos últimos anos, um desenvolvimento extraordinário, não só no capítulo das integrações físicas ou econômicas entre Estados, como, em particular, no desenvolvimento de entidades da administração indireta, com a instituição de inúmeros estabelecimentos públicos internacionais[23], alguns, em franco desafio à teoria já assentada do Direito das Organizações Internacionais.
       Quanto às ONGs, reafirmamos o que dissemos em linhas anteriores: o fato de estarem mencionadas em tratados internacionais e instituídas como espécie de órgãos de implementação e supervisão de normas pactuadas (e caso tivesse havido a instituição de qualquer organização intergovernamental, seriam assimiláveis aos Secretariados das mesmas), não lhes confere a personalidade de direito internacional. Tal é o caso da União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos, IUCN([24]), criada, em Fontainebleau, em 1948, sob a égide da UNESCO, e por inspiração do Governo francês[25],  a qual, na atualidade, dada subscrição da Convenção de Ramsar de 1971, "relativa a Zonas Úmidas de Importância Internacional.
Particularmente como Hábitat das Aves Aquáticas" (e seu Protocolo de 1982)[26], passou a ser encarregada, oficialmente, de exercer, em caráter provisório, (que se prolonga até os dias atuais), as funções de seu Secretariado e, a partir de 1972, por disposição da Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial e Cultural,  adotada em Paris, sob a égide da UNESCO[27], (art. 8º § 3º), passou a ter assento assegurado no Comitê do Patrimônio Mundial desta organização intergovernamental, com importantes funções oficiais consultivas. Relembre-se, enfim, que mesmo com a relevância das ONGs especializadas em Direito Internacional, como o “Institut de Droit International” ou a “International Law Association”, no que respeita à formação da doutrina coletiva do Direito Internacional,  nem porisso possuem tais entidades uma personalidade internacional.
Neste particular aspecto, merece destaque o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o CICV, entidade de Direito suíço, responsável pela proposta de negociações de importantes convenções multilaterais sobre Direito Humanitário, e encarregada, por expressa determinação dos Estados, nas 4 Convenções de Genebra de 1947 e nos seus 2 Protocolos de 1974, de importantes funções internacionais, a ponto de hoje ser pacífico, na doutrina internacionalista[28], o reconhecimento de sua personalidade internacional, conquanto não seja um organização pública interestatal. Veja-se, neste Curso, em particular, no Cap. 15, a Seção 3, denominada “O Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados”.

۩. A pessoa humana

Houve dúvidas quanto a  atribuir-se uma personalidade jurídica à pessoa humana, em época recente. Na verdade, Estados e organizações intergovernamentais, não são entidades abstratas e impossíveis de serem individualizadas, como é a “pessoa humana”. Por outro lado, à vista de faltarem à pessoa humana alguns dos atributos que enunciamos como “as cinco categorias fundamentais”  da personalidade jurídica em Direito Internacional, tão evidentes no que se refere aos Estados, com destaque à  impossibilidade de seu acesso a procedimentos judiciais de solução de litígios entre pessoas jurídicas, nomeadamente as arbitragens e a legitimidade ativa ou passiva, por direito próprio a  procedimentos frente a tribunais judiciários internacionais, levou autores de nomeada a negarem ter a “pessoa humana” uma personalidade de Direito Internacional.
Havia, no entanto, situações constrangedoras, que negavam o postulado daqueles autores, que se baseavam no pressuposto de um voluntarismo “in extremis”,  de que o Direito Internacional seria um direito unicamente de relações entre Estados, e portanto, as únicas pessoas reconhecidas seriam os próprios Estados e as organizações coletivas que eles instituem, as organizações intergovernamentais.
Aquelas situações desafiadoras eram os casos de constância nas normas internacionais, de dispositivos que disciplinavam ações de indivíduos, como as mais antigas, de proibições de tráfico de escravos ou de atos de piratas e de corsários, sobre o comportamento de soldados em tempo de guerra, e mais modernamente, sobre atos de terrorismo internacional, dos mercenários internacionais a soldo de qualquer governo, de tráfico transfronteiriço de obras de arte e de espécies e espécimes de plantas e animais em perigo de extinção, da responsabilidade dos comandantes de navios e aeronaves; além destes casos individuais, havia a emergência de um inteiro setor do Direito Internacional, com uma força normativa inacreditável, que a partir da instalação da ONU, em 1945, ganhava mais e mais vigor: a proteção internacional dos Direitos Humanos, com uma engenharia normativa extremamente bem construída e dotada de mecanismos de verificação de seu adimplemento, sobretudo em níveis regionais.
As respostas daqueles autores, a fim de serem coerentes com sua concepção voluntarista do Direito Internacional, foi de que em tais casos, a pessoa humana seria um objeto do Direito Internacional, o que é uma negação de toda tradição da Ciência Jurídica e do Direito como Justiça, como se o homem pudesse ser um mero objeto desta admirável construção normativa que é o Direito, a qual foi lapidarmente definida por  Dante como “uma proporção entre coisas e pessoas, do homem e para o homem, a qual, observada, conserva a sociedade humana e, corrompida, a corrompe”[29].
A nosso ver, o simples fato de aquelas pessoas, tão díspares e contraditórias no referente ao valor de sua atuação, como, de um lado, os terroristas, os mercenários, os piratas e corsários, ou os contrabandistas, e de outro lado, os comandantes de navios e aeronaves, os operadores de centrais nucleares, ou responsáveis por atividades perigosas e potencialmente danosas ao meio ambiente, estarem mencionadas em normas internacionais, não lhes confere personalidade no Direito Internacional. As normas continuam tendo como destinatários, os Estados, com um conteúdo de agirem contra aquelas pessoas (obrigações de conduta)  ou regularem, nos respectivos ordenamentos jurídicos internos (obrigações de resultado) as atividades das pessoas nomeadas na norma internacional. Não vemos porque tal fato teria o condão de configurar uma personalidade internacional àquelas pessoas mencionadas nas normas internacionais!
Por outro lado, as restrições ao exercício dos poderes das pessoas, ou seja, os limites a suas capacidades, não lhes diminui nem retira o “status” de pessoas de direito internacional. Um exame das citadas cinco categorias fundamentais, revela que, pela natureza mesma dos fenômenos, a pessoa humana, como entidade abstrata, nos tempos presentes,  não tem quaisquer atributos para firmar tratados e convenções internacionais (1a categoria), nem para instituírem e serem membros plenos de organizações intergovernamentais (4a categoria), nem para representar-se a si mesma, por um direito próprio, perante Estados e organizações intergovernamentais (5a categoria, nomeadamente o direito de estabelecer relações diplomáticas com Estados e organizações intergovernamentais e relações consulares em territórios dos Estados).
Quanto a imputabilidade à pessoa humana de fatos ilícitos internacionais (2a categoria) e seu direito próprio a um acesso a contenciosos internacionais (3a categoria), é necessário rever o posicionamento tradicional, à vista da extraordinária emergência de normas de proteção à pessoa humana, a partir da instituição do sistema da ONU e do fortalecimento das mesmas em nível regional, em particular, no sistema normativo que se formou a partir da Convenção Européia  para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 04 de novembro de 1950.
A nosso ver, na atualidade, as culminâncias no sentido de reconhecer-se personalidade à pessoa humana, são demonstradas por dois fatos, que confirmam a relatividade das 2a e 3a categorias de faculdades conferidas às pessoas, tradicionalmente reservadas aos Estados. Em primeiro lugar, a “instituição de um Tribunal Penal Internacional (Tratado de Roma de 17 de julho de 1998), de natureza permanente e jurisdição internacional, competente para conhecer e julgar os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão: nos dias correntes, à espera da entrada em vigor do tratado que o instituiu, o Tribunal será sediado na Haia, e terá uma jurisdição automática, ou seja, independentemente de qualquer aceitação “ad hoc” por parte dos Estados que dele farão parte, conquanto a matéria de sua competência esteja restrita aos crimes catalogados na Convenção de Roma, e não para qualquer outra violação de direitos humanos”[30].
Em segundo, a abertura da jurisdição de um tribunal internacional regional, antes unicamente aberto a reclamações de Estados contra Estados ou de um organismo diplomático, a Comissão Européia de Direitos Humanos, contra Estados, à pessoa humana, por direito próprio, sem necessidade de seus direitos serem assumidos por um Estado (através do instituto da proteção diplomática) ou pela referida Comissão; trata-se de um Protocolo firmado em 1994 (Protocolo 11) entre os Estados Partes da Convenção Européia  para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 04 de novembro de 1950, o qual foi reforçado com a entrada em vigor do Acordo Europeu Relativo a Pessoas que participam nos Procedimentos da Corte Européia dos Direitos Humanos, firmado em Estrasburgo a 05 de maio de 1997, o qual suprimiu a Comissão Européia dos Direitos Humanos e deu legitimidade ativa à pessoa humana, em litígios judiciários contra os Estados (os das respectivas nacionalidades ou quaisquer outros, desde que, evidentemente, Parte naquele Tratado de Roma), por violações aos direitos humanos definidos na Convenção Européia de 1950 e suas modificações posteriores.
Por outro lado, conforme será examinado no Cap. 15 (em especial no Seção 15.1) da presente obra,  há normas precisas em tratados e convenções multilaterais, de natureza universal, que concedem pleno direito a indivíduos ou entidades privadas de poderem acionar mecanismos de reclamações apresentadas a entidades internacionais, diretamente contra Estados, sejam da própria nacionalidade, sejam quaisquer outros, desde que violados os direitos humanos protegidos pelas normas internacionais.
Destaque-se o caso do Protocolo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, firmado a 16/12/1966, firmado no mesmo dia que o Pacto (sendo o Brasil parte do Pacto, que se encontra promulgado no país, pelo Decreto no 592 de 16/12/1992, mas não do Protocolo), em que o recebimento das reclamações de particulares contra Estados,  exigem as condições do esgotamento prévio pela vítima dos recursos disponíveis nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados reclamados (na hipóteses de serem os mesmo existentes e disponíveis), a inexistência de procedimentos paralelos e semelhantes em outras instâncias internacionais e, enfim, a posterioridade da violação dos direitos humanos, quanto à vigência internacional do Protocolo, em relação ao Estado reclamado.
Semelhantes procedimentos encontram-se instituídos em dois instrumentos internacionais dos quais o Brasil é parte: a  Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 (promulgado pelo Decreto no  65.810 de 08/12/1969), no seu art. 14,   e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984 (promulgada pelo Decreto no  40 de 15/02/1991), no seu art. 22.
Portanto, a nosso ver, na atualidade, é indiscutível haver uma clara atribuição da personalidade de direito internacional à pessoa humana, com as restrições factuais e os condicionamentos legais que a norma internacional pode estabelecer (como, de fato estabelece, para qualquer outra pessoa de Direito Internacional, que não seja um Estado, reconhecido como tal por este Direito, inclusive as organizações intergovernamentais constituídas pelos Estados). 

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
“Definição
As Organizações Internacionais são associações de sujeitos de Direito Internacional, ou seja, constituídas por Estados. Decorrem do crescimento das relações internacionais e da cooperação necessária entre as nações. As organizações internacionais passaram a ter maior relevância a partir da criação da Liga das Nações.
Estas organizações têm como objetivo diversas questões, tais como: obtenção ou manutenção de paz, resolução de conflitos armados, desenvolvimento econômico e social etc.
As Organizações Internacionais nada mais são que tratados internacionais multilaterais que se prolongaram no tempo, com a criação de órgãos que trabalham no sentido de perpetuação desses tratados. São organismos e não Estados.

Paul Reuter estabeleceu uma definição para as Organizações Internacionais Intergovernamentais: é um conjunto de Estados que possuem órgãos próprios que podem exprimir vontade jurídica distinta da dos Estados.
Uma definição válida seria: “Organizações Internacionais são um conjunto de Estados possuidores de órgãos próprios, capazes de exprimir vontade jurídica distinta da de seus membros”.
a) Conjunto de Estados - organizações criadas pelos Estados, que começam a surgir a partir do século XIX; contudo, sua forma acabada somente apareceria após a criação da Liga das Nações, após o Tratado de Versalhes. Nascem a partir dos tratados internacionais.
b) Possuidor de Órgãos Próprios - têm estrutura política, administrativa e financeira independente e autônoma frente ao conjunto de seus membros.
c) Capaz de Exprimir Vontade Jurídica - essa vontade se exprime através de diversas formas peculiares a cada uma dessas organizações: convenções internacionais, tratados, resoluções etc.
d) Vontade Distinta da de Seus Membros - a não aprovação de uma resolução por um dos Estados-Membros não implica na não implementação desta. Não há a necessidade da unanimidade.



[1] Lembrar do texto “O Consenso sobre as Políticas Sociais na América Latina, Negação da Democracia?” disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v23n59/10.pdf >. Cairá na prova!