sexta-feira, 10 de setembro de 2010

RESUMO TAJ 2010.2.1

REVISÃO TAJ

Revimos as principais teorias que contribuirão para a argumentação jurídica (note-se serem meramente esboços teoréticos teleológicos, com interesse pragmático imediato e restrito à disciplina):
Após revermos a relevância pragmática imediata da Teoria Pura do Direito (compreender o eidos do Direito enquanto norma, com a Norma Hipotética Fundamental, o Poder Constituinte Originário, sendo o vértice do sistema: a política funda mas não esgota o Direito).
A Teoria da Norma (suas espécies, regras e princípios, determinam a natureza deontológica do Direito, pois deve ser porque a ação humana deve fugir do que é ruim e buscar o que é bom: valor, com, por óbvio, a preferibilidade subjetiva/individual e institucional, com o PCO: Poder Constituinte Originário).
Também a utilidade da Teoria do Ordenamento, posto não haver apenas uma única norma, o seu conjunto deve ser coerente, único e completo, com os critérios de hierarquia, anterioridade e especificidade para superação de antinomias entre as regras, além da ponderação entre princípios.
A Teoria Tridimensional do Direito (de Miguel Reale), com a dialética de complementariedade dos fatos serem valorados conforme as normas, impondo o juízo deontológico e a possível sanção (Teoria da Norma).
Passando pela noção orbital da Constituição enquanto heurística de signos, hermenêutica, percebe-se a inerência da linguagem para a efetivação do Direito.
Assim, nota-se ser possível a existência do Direito [POÉTICA], fenomenologicamente, apenas quando houver poder de realizar ação social (afinal, determinar o que deve ser (daí a relevância da teoria da norma) e, se não for, aplicar a correspondente sanção). E, dentre as ações possíveis de serem normatizadas, são escolhidas [RETÓRICA] as consideradas mais relevantes, que correspondam a uma disfunção ou anormalidade social. Dessas ações, é necessária confrontá-las [DIALÉTICA] com a sua norma (então, a importância da teoria do ordenamento), para aplicação do Direito, sempre bilateral-atributivo (a cada direito, um dever de satisfazê-lo, atribuindo as respectivas obrigações e direitos que, se não cumpridas, podem ser exigidas e, ainda não havendo cumprimento da obrigação, coação). Ao final, a certeza da aplicação do Direito correto [ANALÍTICA] o qual nem sempre é definitivo ou apodítico.
                Há resumo sobre a teoria dos quatro discursos.
A discussão sobre hermenêutica poderá compor conteúdo probatório, assim, o seu conceito foi inicialmente buscado na mitologia, veja-se:

“conhecedor dos caminhos e de suas encruzilhadas, não se perdendo nas trevas e sobretudo podendo circular livremente nos três níveis, o filho de Maia acabou por ser um deus psicopompo, quer dizer, um condutor de almas, tanto do nível telúrico para o ctônio quanto deste para aquele[...] ‘Pois a sua astúcia e a sua inteligência prática, a sua inventibilidade (...), o seu poder de tornar-se invisível e de viajar por toda parte em um piscar de olhos, já anunciam os prestígios da sabedoria, principalmente o domínio das ciências ocultas, que se tornarão mais tarde, na época helenística, as qualidades específicas desse deus’.[...] A grande tarefa de Hermes, no entanto, consistia em ser o intérprete da vontade dos deuses.[...] Os seus atributos primordiais — astúcia e inventividade, domínio sobre as trevas, interesse pela atividade dos homens, psicopompia — serão continuamente reinterpretados e acabarão por fazer de Hermes uma figura cada vez mais complexa, ao mesmo tempo que Hermes civilizador, patrono da ciência e imagem exemplar das gnoses ocultas" [..Agilis Cyllenius, o deus rápido de Cilene, como lhe chama Ovídio nas Metamorfoses, 2, 720, 818, o filho de Maia para os helenos, era o lóguios, o sábio, o judicioso, o tipo inteligente do grego refletido, o próprio Lógos. Hermes é o que sabe e, por isso mesmo, aquele que transmite toda ciência secreta. Não sendo apenas um olímpico, mas igualmente ou sobretudo um "companheiro do homem",[...] "Mercúrio (nome latino de Hermes) costumava ser invocado nas cerimônias dos magos como transmissor de fórmulas mágicas".[...] Todo aquele que recebeu deste deus o conhecimento das fórmulas mágicas tornou-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade.[...] Aquele que é iniciado pelo luminoso Hermes é capaz de resistir a todas as atrações das trevas, porque se tornou igualmente um "perito".”
Retirando-se os conceitos mitológicos, tem-se que a Hermenêutica é a Ciência da Compreensão da realidade por meio da linguagem.

Também haverá uma questão sobre a busca de proposições e o conhecimento de estrutura argumentativa em textos jurídicos. Os textos para esta questão foram extraídos de:
< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>

Exemplo de questão:

PERGUNTA. Tendo em vista a Constituição Federal, Art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] relacionado com o Art. 220, § 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”
Explique a seguinte decisão, em vista do conjunto de proposições intermediárias (argumentação) apresentadas, demonstrando a conclusão (proposição final)
"A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado ‘poder social da imprensa’." (ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.)

RESPOSTA: a conclusão do STF corresponde à interpretação literal do § 5º do art. 220, pois define que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor. Os fundamentos, ou proposições intermediárias ou argumentação, correspondem, fundamentalmente em: a) A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo; b) o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários; c) fator de contenção de abusos do chamado ‘poder social da imprensa’.
NOTE-SE QUE HAVIA OUTROS ARGUMENTOS MAS, NESTE CASO, DEVE-SE ESCOLHER APENAS OS FUNDAMENTAIS OU MAIS IMPORTANTES.


PROPOSIÇÃO (material apresentado em sala)


Tanto as idéias que queremos defender nos nossos argumentos como as razões que usamos para defendê-las são proposições.

Uma proposição é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente. Só as frases declarativas podem exprimir proposições. As frases interrogativas, exclamativas, prescritivas e as promessas (incluindo as ameaças) não exprimem proposições. As frases seguintes não exprimem proposições:

• «Fecha a janela!» (Frase imperativa.)

• «Será que há água em Marte?» (Frase interrogativa.)

• «Quem me dera ter boas notas a Filosofia!» (Frase exclamativa.)

• «Prometo que te devolvo o livro amanhã.» (Promessa.)

As frases imperativas, interrogativas e exclamativas, assim como as promessas, não exprimem proposições porque não exprimem pensamentos que possam ter valor de verdade.

O valor de verdade de uma proposição é a verdade ou falsidade dessa proposição.

Como é evidente, uma pergunta não pode ser verdadeira nem falsa. E uma exclamação também não pode ser verdadeira nem falsa; nem uma promessa ou uma ordem. Uma promessa, por exemplo, pode ser cumprida ou não, e pode ser feita com a intenção de cumpri-la ou não; mas não pode ser verdadeira nem falsa. Só as frases declarativas podem exprimir proposições.

Não faz sentido dizer que a exclamação «Quem me dera ir a Marte!» é falsa ou verdadeira, mas faz sentido perguntar se a frase declarativa «Existe gelo em Marte» é verdadeira ou falsa.

Para compreender o que é um argumento vamos começar por ver o seguinte exemplo:

João — Este quadro é horrível! É só traços e cores! Até eu fazia isto!

Adriana — Concordo que não é muito bonito, mas nem toda a arte tem de ser bela.

João — Não sei… por que razão dizes isso?

Adriana — Porque nem tudo o que os artistas fazem é belo.

João — E depois? É claro que nem tudo o que os artistas fazem é belo, mas daí não se segue nada.

Adriana — Claro que se segue! Dado que tudo o que os artistas fazem é arte, segue-se que nem toda a arte tem de ser bela.

A Adriana está a argumentar que nem toda a arte é bela. Estamos perante um argumento sempre que alguém apresenta um conjunto de razões a favor de uma idéia.

Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as premissas).

O argumento da Adriana percebe-se melhor se o escrevermos assim:

Premissa 1: Nem tudo o que os artistas fazem é belo.

Premissa 2: Tudo o que os artistas fazem é arte.

Conclusão: Nem toda a arte é bela.


O argumento da Adriana tem duas premissas e uma conclusão. Mas os argumentos podem ter apenas uma premissa, ou mais de duas; contudo, só podem ter uma conclusão.

Uma premissa é uma proposição usada num argumento para defender uma conclusão.

Uma conclusão é a proposição que se defende, num argumento, recorrendo a premissas.

Um argumento é um conjunto de proposições. Mas nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Para que um conjunto de proposições seja um argumento é necessário que essas proposições tenham uma certa estrutura: é necessário que uma delas exprima a idéia que se quer defender (a conclusão), e que a outra ou outras sejam apresentadas como razões a favor dessa idéia (a premissa ou premissas).

Se nos limitarmos a apresentar idéias, sem as razões que as apóiam, não estamos a apresentar argumentos a favor das nossas idéias. E se não apresentarmos argumentos, as outras pessoas não terão qualquer razão para aceitar as nossas idéias. Argumentar é entrar em diálogo com os outros.

Um raciocínio ou uma inferência é um argumento. Raciocinar ou inferir é retirar conclusões de premissas.

Vamos concentrar a atenção exclusivamente nos aspectos argumentativos dos textos e discursos. E vamos começar por estudar argumentos muito simples e pequenos, como os seguintes:


Se Deus não existe, a vida não faz sentido.

Mas a vida faz sentido.

Logo, Deus existe.


Ou tudo está causalmente determinado ou não.

Se tudo está causalmente determinado, a responsabilidade moral não é possível.

Mas se nem tudo está causalmente determinado, a responsabilidade moral também não é possível.

Logo, em qualquer caso, a responsabilidade moral não é possível.


Vamos colocar os argumentos nesta disposição artificiosa: começamos com uma premissa em cada parágrafo e depois a conclusão noutro parágrafo, antecedida da palavra «logo».

Claro que, normalmente, as pessoas não apresentam os argumentos desta maneira. Vejamos estes exemplos:

Claro que Deus existe! Ainda se a vida não fizesse sentido, eu poderia admitir que Deus não existe. Mas só um tolo poderá pensar que a vida não faz sentido, como é evidente.

Como pode alguém imaginar sequer que há responsabilidade moral? A responsabilidade moral não passa de uma ficção dos filósofos e juízes! Na verdade, está tudo determinado. E como tudo está determinado, a responsabilidade moral não é possível. Mas mesmo que nem tudo estivesse determinado, como seria possível a responsabilidade moral? Mesmo neste caso, a responsabilidade moral seria uma ilusão.

Esta é a forma mais natural de apresentar argumentos, e é assim que os encontramos nos textos dos filósofos, ou ao falar com outras pessoas, no dia-a-dia.

Além disso, num dado texto ou discurso argumentativo, surgem vários argumentos diferentes misturados e encadeados. Um livro de um filósofo, [ou uma sentença] por exemplo, é em geral um encadeamento de vários argumentos parcelares.
A lógica nos ensina a fazer o seguinte, perante um texto ou discurso argumentativo (note-se que esta atividade é propriamente dialética, mas útil para os nossos atuais propósitos):

1. Separar os vários argumentos entre si;

2. Distinguir premissas de conclusões;

3. Eliminar o que não interessa para a argumentação;

4. Interpretar o que interessa para a argumentação;

5. Avaliar a força do argumento.

RESUMO TAJ 2010.2.1


ARISTÓTELES: OS QUATRO DISCURSOS
Partes do capítulo I de Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos (Rio, Topbooks, 1997)
Há nas obras de Aristóteles uma ideia medular, que escapou à percepção de quase todos os seus leitores e comentaristas, da Antiguidade até hoje. A essa ideia denomino Teoria dos Quatro Discursos. Pode ser resumida em uma frase: o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica).
                 Dita assim, a ideia não parece muito notável. Mas, se nos ocorre que os nomes dessas quatro modalidades de discurso são também nomes de quatro ciências, vemos que segundo essa perspectiva a Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica, estudando modalidades de uma potência única, constituem também variantes de uma ciência única. A diversificação mesma em quatro ciências subordinadas tem de assentar-se na razão da unidade do objeto que enfocam, sob pena de falharem à regra aristotélica das divisões. E isto significa que os princípios de cada uma delas pressupõem a existência de princípios comuns que as subordinem, isto é, que se apliquem por igual a campos tão diferentes entre si como a demonstração científica e a construção do enredo trágico nas peças teatrais.
O espanto que a ideia dos Quatro Discursos provoca a um primeiro contato advém de um costume arraigado da nossa cultura, de encarar a linguagem poética e a linguagem lógica ou científica como universos separados e distantes, regidos por conjuntos de leis incomensuráveis entre si. Desde que um decreto de Luís XIV separou em edifícios diversos as "Letras" e as "Ciências", o fosso entre a imaginação poética e a razão matemática não cessou de alargar-se, até se consagrar como uma espécie de lei constitutiva do espírito humano. Evoluindo como paralelas que ora se atraem ora se repelem mas jamais se tocam, as duas culturas, como as chamou C. P. Snow, consolidaram-se em universos estanques, cada qual incompreensível ao outro. Gaston Bachelard, poeta doublé de matemático, imaginou poder descrever esses dois conjuntos de leis como conteúdos de esferas radicalmente separadas, cada qual igualmente válido dentro de seus limites e em seus próprios termos, entre os quais o homem transita como do sono para a vigília, desligando-se de um para entrar na outra, e vice-versa: a linguagem dos sonhos não contesta a das equações, nem esta penetra no mundo daquela. Tão funda foi a separação, que alguns desejaram encontrar para ela um fundamento anatômico na teoria dos dois hemisférios cerebrais, um criativo e poético, outro racional e ordenador, e acreditaram ver uma correspondência entre essas divisões e a dupla yin-yang da cosmologia chinesa. Mais ainda, julgaram descobrir no predomínio exclusivo de um desses hemisférios a causa dos males do homem Ocidental. Uma visão um tanto mistificada do ideografismo chinês, divulgada nos meios pedantes por Ezra Pound (, deu a essa teoria um respaldo literário mais do que suficiente para compensar sua carência de fundamentos científicos. A ideologia da "Nova Era" consagrou-a enfim como um dos pilares da sabedoria.
Nesse quadro, o velho Aristóteles posava, junto com o nefando Descartes, como o protótipo mesmo do bedel racionalista que, de régua em punho, mantinha sob severa repressão o nosso chinês interior. O ouvinte imbuído de tais crenças não pode mesmo receber senão com indignado espanto a ideia que atribuo a Aristóteles. Ela apresenta como um apóstolo da unidade aquele a quem todos costumavam encarar como um guardião da esquizofrenia. Ela contesta uma imagem estereotipada que o tempo e a cultura de almanaque consagraram como uma verdade adquirida. Ela remexe velhas feridas, cicatrizadas por uma longa sedimentação de preconceitos.
A dialética em Aristóteles é, segundo Weil, uma logica inventionis, ou lógica da descoberta: o verdadeiro método científico, do qual a lógica formal é apenas um complemento e um meio de verificação.
l. As quatro ciências do discurso tratam de quatro maneiras pelas quais o homem pode, pela palavra, influenciar a mente de outro homem (ou a sua própria). As quatro modalidades de discurso caracterizam-se por seus respectivos níveis de credibilidade:

(a) O discurso poético versa sobre o possível (dínatos), dirigindo-se sobretudo à imaginação, que capta aquilo que ela mesma presume (eikástikos, "presumível"; eikasia, eikasia, "imagem", "representação").
(b) O discurso retórico tem por objeto o verossímil (pithános) e por meta a produção de uma crença firme (pístis) que supõe, para além da mera presunção imaginativa, a anuência da vontade; e o homem influencia a vontade de um outro homem por meio da persuasão (peitho), que é uma ação psicológica fundada nas crenças comuns. Se a poesia tinha como resultado uma impressão, o discurso retórico deve produzir uma decisão, mostrando que ela é a mais adequada ou conveniente dentro de um determinado quadro de crenças admitidas.
(c) O discurso dialético já não se limita a sugerir ou impor uma crença, mas submete as crenças à prova, mediante ensaios e tentativas de traspassá-las por objeções. É o pensamento que vai e vem, por vias transversas, buscando a verdade entre os erros e o erro entre as verdades (dia, diá = "através de" e indica também duplicidade, divisão). Por isto a dialética é também chamada peirástica, da raiz peirá (peira = "prova", "experiência", de onde vêm peirasmos, "tentação", e as nossas palavras empiria, empirismo, experiência etc., mas também, através de peirateV, peirates, "pirata": o símbolo mesmo da vida aventureira, da viagem sem rumo predeterminado). O discurso dialético mede enfim, por ensaios e erros, a probabilidade maior ou menor de uma crença ou tese, não segundo sua mera concordância com as crenças comuns, mas segundo as exigências superiores da racionalidade e da informação acurada.
(d) O discurso lógico ou analítico, finalmente, partindo sempre de premissas admitidas como indiscutivelmente certas, chega, pelo encadeamento silogístico, à demonstração certa (apodêixis, "prova indestrutível") da veracidade das conclusões.
É visível que há aí uma escala de credibilidade crescente: do possível subimos ao verossímil, deste para o provável e finalmente para o certo ou verdadeiro. As palavras mesmas usadas por Aristóteles para caracterizar os objetivos de cada discurso evidenciam essa gradação: há, portanto, entre os quatro discursos, menos uma diferença de natureza que de grau.
Possibilidade, verossimilhança, probabilidade razoável e certeza apodíctica são, pois, os conceitos-chave sobre os quais se erguem as quatro ciências respectivas: a Poética estuda os meios pelos quais o discurso poético abre à imaginação o reino do possível; a Retórica, os meios pelos quais o discurso retórico induz a vontade do ouvinte a admitir uma crença; a Dialética, aqueles pelos quais o discurso dialético averigua a razoabilidade das crenças admitidas, e, finalmente, a Lógica ou Analítica estuda os meios da demonstração apodíctica, ou certeza científica. Ora, aí os quatro conceitos básicos são relativos uns aos outros: não se concebe o verossímil fora do possível, nem este sem confronto com o razoável, e assim por diante. A consequência disto é tão óbvia que chega a ser espantoso que quase ninguém a tenha percebido: as quatro ciências são inseparáveis; tomadas isoladamente, não fazem nenhum sentido. O que as define e diferencia não são quatro conjuntos isoláveis de caracteres formais, porém quatro possíveis atitudes humanas ante o discurso, quatro motivos humanos para falar e ouvir: o homem discursa para abrir a imaginação à imensidade do possível, para tomar alguma resolução prática, para examinar criticamente a base das crenças que fundamentam suas resoluções, ou para explorar as consequências e prolongamentos de juízos já admitidos como absolutamente verdadeiros, construindo com eles o edifício do saber científico. Um discurso é lógico ou dialético, poético ou retórico, não em si mesmo e por sua mera estrutura interna, mas pelo objetivo a que tende em seu conjunto, pelo propósito humano que visa a realizar. Daí que os quatro sejam distinguíveis, mas não isoláveis: cada um deles só é o que é quando considerado no contexto da cultura, como expressão de intuitos humanos. A idéia moderna de delimitar uma linguagem "poética em si" ou "lógica em si" pareceria aos olhos de Aristóteles uma substancialização absurda, pior ainda: uma coisificação alienante. Ele ainda não estava contaminado pela esquizofrenia que hoje se tornou o estado normal da cultura.
2. Mas Aristóteles vai mais longe: ele assinala a diferente disposição psicológica correspondente ao ouvinte de cada um dos quatro discursos, e as quatro disposições formam também, da maneira mais patente, uma gradação:

(a) Ao ouvinte do discurso poético cabe afrouxar sua exigência de verossimilhança, admitindo que "não é verossímil que tudo sempre aconteça de maneira verossímil", para captar a verdade universal que pode estar sugerida mesmo por uma narrativa aparentemente inverossímil. Aristóteles, em suma, antecipa a suspension of disbelief de que falaria mais tarde Samuel Taylor Coleridge. Admitindo um critério de verossimilhança mais flexível, o leitor (ou espectador) admite que as desventuras do herói trágico poderiam ter acontecido a ele mesmo ou a qualquer outro homem, ou seja, são possibilidades humanas permanentes.

(b) Na retórica antiga, o ouvinte é chamado juiz, porque dele se espera uma decisão, um voto, uma sentença. Aristóteles, e na esteira dele toda a tradição retórica, admite três tipos de discursos retóricos: o discurso forense, o discurso deliberativo e o discurso epidíctico, ou de louvor e censura (a um personagem, a uma obra, etc.). Nos três casos, o ouvinte é chamado a decidir: sobre a culpa ou inocência de um réu, sobre a utilidade ou nocividade de uma lei, de um projeto, etc., sobre os méritos ou deméritos de alguém ou de algo. Ele é, portanto, consultado como autoridade: tem o poder de decidir. Se no ouvinte do discurso poético era importante que a imaginação tomasse as rédeas da mente, para levá-la ao mundo do possível num vôo do qual não se esperava que decorresse nenhuma conseqüência prática imediata, aqui é a vontade que ouve e julga o discurso, para, decidindo, criar uma situação no reino dos fatos.

(c) Já o ouvinte do discurso dialético é, interiormente ao menos, um participante do processo dialético. Este não visa a uma decisão imediata, mas a uma aproximação da verdade, aproximação que pode ser lenta, progressiva, difícil, tortuosa, e nem sempre chega a resultados satisfatórios. Neste ouvinte, o impulso de decidir deve ser adiado indefinidamente, reprimido mesmo: o dialético não deseja persuadir, como o retórico, mas chegar a uma conclusão que idealmente deva ser admitida como razoável por ambas as partes contendoras. Para tanto, ele tem de refrear o desejo de vencer, dispondo-se humildemente a mudar de opinião se os argumentos do adversário forem mais razoáveis. O dialético não defende um partido, mas investiga uma hipótese. Ora, esta investigação só é possível quando ambos os participantes do diálogo conhecem e admitem os princípios básicos com fundamento nos quais a questão será julgada, e quando ambos concordam em ater-se honestamente às regras da demonstração dialética. A atitude, aqui, é de isenção e, se preciso, de resignação autocrítica. Aristóteles adverte expressamente os discípulos de que não se aventurem a terçar argumentos dialéticos com quem desconheça os princípios da ciência: seria expor-se a objeções de mera retórica, prostituindo a filosofia.

(d) Finalmente, no plano da lógica analítica, não há mais discussão: há apenas a demonstração linear de uma conclusão que, partindo de premissas admitidas como absolutamente verídicas e procedendo rigorosamente pela dedução silogística, não tem como deixar de ser certa. O discurso analítico é o monólogo do mestre: ao discípulo cabe apenas receber e admitir a verdade. Caso falhe a demonstração, o assunto volta à discussão dialética.

De discurso em discurso, há um afunilamento progressivo, um estreitamento do admissível: da ilimitada abertura do mundo das possibilidades passamos à esfera mais restrita das crenças realmente aceitas na praxis coletiva; porém, da massa das crenças subscritas pelo senso comum, só umas poucas sobrevivem aos rigores da triagem  dialética; e, destas, menos ainda são as que podem ser admitidas pela ciência como absolutamente certas e funcionar, no fim, como premissas de raciocínios cientificamente válidos. A esfera própria de cada uma das quatro ciências é portanto delimitada pela contigüidade da antecedente e da subseqüente. Dispostas em círculos concêntricos, elas formam o mapeamento completo das comunicações entre os homens civilizados, a esfera do saber racional possível.

3. Finalmente, ambas as escalas são exigidas pela teoria aristotélica do conhecimento. Para Aristóteles, o conhecimento começa pelos dados dos sentidos. Estes são transferidos à memória, imaginação ou fantasia (fantasia), que os agrupa em imagens (eikoi, eikoi, em latim species, speciei), segundo suas semelhanças. É sobre estas imagens retidas e organizadas na fantasia, e não diretamente sobre os dados dos sentidos, que a inteligência exerce a triagem e reorganização com base nas quais criará os esquemas eidéticos, ou conceitos abstratos das espécies, com os quais poderá enfim construir os juízos e raciocínios. Dos sentidos ao raciocínio abstrato, há uma dupla ponte a ser atravessada: a fantasia e a chamada simples apreensão, que capta as noções isoladas. Não existe salto: sem a intermediação da fantasia e da simples apreensão, não se chega ao estrato superior da racionalidade científica. Há uma perfeita homologia estrutural entre esta descrição aristotélica do processo cognitivo e a Teoria dos Quatro Discursos. Não poderia mesmo ser de outro modo: se o indivíduo humano não chega ao conhecimento racional sem passar pela fantasia e pela simples apreensão, como poderia a coletividade — seja a polis ou o círculo menor dos estudiosos — chegar à certeza científica sem o concurso preliminar e sucessivo da imaginação poética, da vontade organizadora que se expressa na retórica e da triagem dialética empreendida pela discussão filosófica?

Retórica e Poética uma vez retiradas do exílio "técnico" ou "poiêtico" em que as pusera Andrônico e restauradas na sua condição de ciências filosóficas, a unidade das ciências do discurso leva-nos ainda a uma verificação surpreendente: há embutida nela toda uma filosofia aristotélica da cultura como expressão integral do logos. Nessa filosofia, a razão científica surge como o fruto supremo de uma árvore que tem como raiz a imaginação poética, plantada no solo da natureza sensível. E como a natureza sensível não é para Aristóteles apenas uma "exterioridade" irracional e hostil, mas a expressão materializada do Logos divino, a cultura, elevando-se do solo mitopoético até os cumes do conhecimento científico, surge aí como a tradução humanizada dessa Razão divina, espelhada em miniatura na autoconsciência do filósofo. Aristóteles compara, com efeito, a reflexão filosófica à atividade autocognoscitiva de um Deus que consiste, fundamentalmente, em autoconsciência. O cume da reflexão filosófica, que coroa o edifício da cultura, é, com efeito, gnosis gnoseos, o conhecimento do conhecimento. Ora, este se perfaz tão somente no instante em que a reflexão abarca recapitulativamente a sua trajetória completa, isto é, no momento em que, tendo alcançado a esfera da razão científica, ela compreende a unidade dos quatro discursos através dos quais se elevou progressivamente até esse ponto. Aí ela está preparada para passar da ciência ou filosofia à sabedoria, para ingressar na Metafísica, que Aristóteles, como bem frisou Pierre Aubenque, prepara mas não realiza por completo, já que o reino dela não é deste mundo. A Teoria dos Quatro Discursos é, nesse sentido, o começo e o término da filosofia de Aristóteles. Para além dela, não há mais saber propriamente dito: há somente a "ciência que se busca", a aspiração do conhecimento supremo, da sophia cuja posse assinalaria ao mesmo tempo a realização e o fim da filosofia.